UM BENFEITOR DA CULTURA

Em um desses feriadões que inventaram para alimentar a inércia nacional, o que poderia eu, simples ruminante das letras do alfabeto, realizar de menos pragmático, senão tomar de um livro e empreender uma leitura? Afinal, ler sempre foi o meu ‘hobby’, tão-logo me sobram algumas fatias de tempo.

Assim procedendo, no último tríduo de ócio e bocejos que decepou e quase fecharia maio, andei relendo uma página sobre a cronologia da vida e da obra de Vinícius de Moraes, mito cuja palavra fácil e informal eu tive o privilégio de ouvir, ao vivo, num pregão literário, lá no nosso Teatro José de Alencar. Exatamente aí, na OBRA POÉTICA desse titã inestimável da poesia brasileira, a expensas da minha gratidão para com um benfeitor, ocorreu-me, de maneira inusitada, a ideia de lembrar-me não apenas do “poetinha”, mas também de um idealista e empreendedor que, na expressão de alguém, “trouxe a Academia Brasileira de Letras ao Ceará”. Refiro-me – e só bem poucos ainda não o sabem – a Paulo Peroba.

Dou, aqui, o meu testemunho a cerca da veracidade da citação acima. Como professor secundarista, deixava-me ladear por alunos, e, revestido das funções do meu modesto magistério, fui assistir a inúmeras maratonas culturais, auspiciadas pelo irrequieto Paulo Peroba. Este, vestido sempre de singular modéstia, organizava seus eventos, contatava com figurões e, na primeira oportunidade, trazia-os até cá, para Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Pelos diversos auditórios da Capital cearense, casa sempre lotada, pude ver e ouvir, em carne e osso, por exemplo, vultos da estirpe de mestre Aurélio Buarque de Holanda, Jorge Amado, Viana Moog, Paulo Mendes Campos (diacho, parece que não fui ver Fernando Sabino), Gilberto Freyre, Gilberto Mendonça Teles, Napoleão Mendes de Almeida, Celso Cunha (gramáticos, estes dois) e o próprio Vinícius de Moraes, dentre tantos outros notáveis da Literatura, da Linguística e da Cultura nacionais.

Paulo Peroba, de quem fui contemporâneo, quando ainda amassávamos bancos numa faculdade, enquanto à frente do seu “Instituto Lusíadas”, durante anos, revolucionou Fortaleza e as nossas lides locais, culturalmente ativas. No leme da agência que fundou, seguramente sem pretensões lucrativas – até porque meter-se com assuntos culturais, neste país, como rezam os interesseiros, “não dá dinheiro” – ele promovia cursos, círculos de debate, seminários, congressos, recitais e conferências, mobilizando autores de fama e escama, escritores e intelectuais de nomeada do cenário acadêmico, até do além-mar. Só para ilustrar, neste caso, citemos um excelente declamador português que por aqui passou, a fim de “dizer” poeticamente e interpretar Fernando Pessoa, quando das homenagens pelo centenário de nascimento desse fantástico poeta do Modernismo lusitano, em 1988.

O tempo desfiou-se e, lá um dia, li nos principais diários da nossa urbe uma “Nota ao Público”, contendo certo velado mas indisfarçável amargor, subscrita pelo professor Paulo Peroba, justificando as razões do encerramento das atividades culturais do “Instituto Lusíadas”. Uma perda enorme, sem dúvida. Fatos assim, como o fechamento de instituição de tanta relevância, deveras nos entristecem. Na época, quis redigir uma carta à Imprensa para dizer ao mesmo público que lamentava muito, pois o balaio imenso de eventos memoráveis que o dinâmico “homo faber” patrocinara aos cearenses valeu bem mais que muitos caçuás cheinhos de certos homens da Cultura que já tivemos por aí, tanto na órbita estadual quanto na seara municipal. Isto sem aludir, é claro, sem puxa-saquismo algum, aos desempenhos do poeta Barros Pinho, quando à frente de órgãos culturais, e também do atual Secretário da Cultura do Estado, o não menos “homo faber”, professor e jornalista Francisco Auto Filho, que, em suas funções, ambos, assinalam bem a diferença.

Mercê da escolha da minha leitura, no feriadão, referida no limiar destas linhas, é que floresceu este mínimo artiguete. Agora, para fazer justiça e resgatar um nome do fundo do baú, declaro virtualmente – por virtudes, mesmo – Paulo Peroba como Secretário da Cultura Vitalício do Ceará, embora sem ele nunca ter tido pasta oficial. Paulo já se nos foi, há anos, mas ingratidão injustificável seria não relembrá-lo como um benfeitor da Cultura. Sem envolver-se com a politicalha corruptível, por certo somente poucos daqui e de alhures o reconhecerão. Mas Fortaleza, graças a ele, já foi menos tragicamente afamada e mais, muito mais radiante e feliz, metida a letrada, por ter sido uma colmeia da inteligência e abrigar tantas abelhas, que ainda hoje são os nossos artistas e intelectuais.

Fort., 26/11/2009.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 26/11/2009
Reeditado em 26/11/2009
Código do texto: T1945053
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.