RECORDANDO BANANEIRAS-II
RECORDANDO BANANEIRAS ( II )
Por Aderson Machado
Em RECORDANDO BANANEIRAS ( I ) começara dizendo das dificuldades que enfrentara para estudar e me adaptar ao regime de internato do então Colégio Agrícola Vidal de Negreiros.
Voltando ao assunto, gostaria de frisar que eu morava na zona rural do município de Areia/PB, distante 36 quilômetros da cidade de Bananeiras, fato esse que parecia representar uma certa facilidade de deslocamento para chegar ao Colégio. Ledo engano. Para chegarmos lá, eu e o mano Zezito – como é conhecido no meio familiar – enfrentávamos uma série de obstáculos.
A princípio, caminhávamos 11 quilômetros, maletas às costas, galgando as íngremes encostas brejeiras, passando por dentro de rios, riachos, matagais, etc., até chegar à cidade de Pilões, onde, enfim, pegávamos um ônibus tipo pinga-pinga, que, via de regra, já vinha com suas cadeiras ocupadas, e assim íamos em pé e espremidos por entre os malcheirosos passageiros, até chegar ao nosso destino. Era esse, portanto, o ritual de uma viagem que parecia interminável, e que se repetia várias vezes no transcorrer de cada ano.
O Colégio Agrícola de Bananeiras era de uma rigidez a toda prova. Literalmente.
Com efeito, quem não fosse forte e determinado o suficiente a vencer na vida, lá não permanecia por muito tempo.
Pois bem, na Escola de Bananeiras – como era conhecido o Colégio - tínhamos hora para tudo: deitar, acordar, comer, assistir aulas e tudo mais.
Com relação à dormida, não devíamos nos deitar depois de 22h, nem acordar após 6h da manhã. A exceção a essa regra dizia respeito aos nossos dias de folga – quartas-feiras, feriados e finais de semana.
Para por em prática essa determinação, havia um guarda, o sr. José Marques, que era implacável para com todos nós. Depois de 22h, portanto, nenhuma conversa, zum-zum-zum, enfim, nenhum pio era permitido. Era a lei do silêncio. Aquele, pois, que ousasse infringir essa determinação, era severamente admoestado pelo sr. José Marques, que, não raro, encaminhava os alunos rebeldes à Inspetoria de alunos, para as providências de praxe.
É bom lembrar que nas quartas-feiras, feriados e finais de semana, éramos todos liberados para ir à cidade, ocasião em que aproveitávamos o tempo livre para usufruí-lo à nossa maneira. Eu, por exemplo, preferia assistir aos famosos filmes de Farwest no extinto cinema Excelsior, localizado na praça principal da cidade. Outros colegas gostavam de namorar e, os mais levados, iam beber, porém não deviam exagerar na dose, sob pena de chegarem “melados” para dormir, e, conseqüentemente, sofrerem algum tipo de punição disciplinar, haja vista a lei dura existente no Colégio.
Como opção de lazer, àquela época, a cidade de Bananeiras dispunha, ainda, do Bananeiras Clube, e do famoso Bar do Seixo, localizado sobre um canal que corta a cidade. Esse bar era o ponto de encontro da estudantada de Bananeiras, e era muito freqüentado, mormente nos finais de semana.
Outra fonte de entretenimento na cidade dizia respeito à Rádio Difusora, que funcionava sem autorização oficial. Essa Rádio era comandada pelo saudoso locutor conhecido por Chico, que não passava de um curioso, porquanto ele sequer tinha o curso primário; mesmo assim, ele, além de apresentar programas musicais, era o responsável pela parte jornalística da emissora, e, não raras vezes, fazia cobertura, ao vivo, dos eventos oficiais ocorridos na cidade.
Como o Colégio Agrícola de Bananeiras ficava a meio caminho das cidades de Bananeiras e Solânea, é bom frisar que esta última também se constituía numa opção de lazer para nós.
Com relação aos nossos preceptores, gostaria de fazer menção àqueles que mais chamaram a nossa atenção, por este ou aquele motivo.
Um deles, o de Geografia, conhecido por professor Alencar, quer chovesse ou fizesse sol, ele só andava de paletó! Esse fato, porém, não nos sugeria respeito ao citado mestre. Muito pelo contrário. Os alunos não o levavam a sério, posto que o professor em questão deixava a coisa correr frouxa, a ponto de suas aulas se transformarem numa verdadeira bagunça. Ademais, por ter o professor Alencar insuficiência auditiva, alguns fatos insólitos aconteceram em suas provas orais. Como exemplo, vou citar um desses fatos. Certa feita ele perguntou a um aluno qual era o nome do maior rio da América do Norte – o Mississípi. Como o discente não sabia a resposta, respondeu, sem hesitar: “Me esqueci”. E o professor Alencar, em cima da bucha: “Você é um aluno inteligente, e, portanto, deve ser imitado pelos demais; a sua resposta está absolutamente correta!”
Existia um outro docente que era um tanto quanto folclórico. Tratava-se do professor de Topografia, um senhor já de certa idade. Como a disciplina em questão exigia, nas aulas teóricas, muitos riscos complicados para a formação dos diversos desenhos, ele ficou conhecido, entre os alunos, pela alcunha de “Risquinho”. É evidente que nenhum discente se arriscava a chamá-lo por esse nome.
A maioria dos demais mestres adotava uma linha de rigidez. Um desses, o professor de Matemática, Marconi Múzio de Paiva, era um verdadeiro terror. Apesar de ensinar muito bem, era muito exigente por ocasião de suas provas, o que fazia os alunos ficarem em polvorosa, haja vista que a maior parte de nós detestava essa disciplina.
Outro professor não menos exigente, a exemplo de Marconi, era Vital de Almeida Santa Cruz, que lecionava Português. Fui aluno dele por três anos, o suficiente para adquirir um embasamento gramatical, que facilitou, e muito, o meu ingresso na Universidade.
Deixando um pouquinho de lado os docentes, gostaria de me reportar, agora, aos funcionários, com os quais também aprendemos algumas lições, principalmente lições de vida.
Havia no Colégio um ex-funcionário que endoidecera fazia algum tempo. Ele era bastante arisco, por isso “morava” num cubículo, isolado, e em condições subumanas; não tomava banho nem trocava de roupa; comia resto de comida, enfim, era tratado qual porco criado numa pocilga! Esse ex-funcionário atendia pelo apelido de Xoxé. Eu me recordo que costumeiramente íamos molestá-lo, só para vê-lo furioso, o que nos causava um certo tipo de contentamento.
Por outro lado, Xoxé não era tão doido como parecia ser. Pois bem, os alunos chegavam pra ele e perguntavam: “Xoxé chupa?”. Ele, incontinenti, respondia: “Caju, manga, picolé...”
“Seu” David, como costumávamos chamá-lo, era um dos funcionários encarregados de disciplinar – ou pelo menos tentava fazê-lo – os alunos que se postavam em fila indiana à espera do início das refeições. Apesar de ter cara de poucos amigos, “seu” David era uma pessoa dócil, incapaz mesmo de por termo a vida de uma barata, fato esse que sugeria ser o sr. David a pessoa menos indicada para exercer essa árdua missão. Por isso mesmo os alunos não o levavam muito a sério, e, por conseguinte, a “fila”, sob seu comando, se transformava, via de regra, numa verdadeira bagunça, a ponto de a frase bíblica “os últimos serão os primeiros” se constituir numa pura realidade!
Em função desse descomando por parte de “seu” David, certa feita um aluno, inconformado por ter perdido o seu lugar, de direito, na fila, fora deveras contundente ao se dirigir ao guarda em apreço, dizendo-lhe: “ O sr. é um guarda sem moral!”. Aí, “seu” David retrucou: “Por acaso, você sabe o que significa a palavra moral?”. Como o malcriado aluno ficara titubeante, “seu” David terminou dando uma verdadeira lição de moral nesse discente, que, com certeza, perdera uma boa oportunidade de ficar calado...
Esse episódio causou a nós outros um sinal de alerta, no sentido de sermos mais comedidos, e só falarmos alguma coisa com conhecimento de causa, evitando, assim, dissabores desnecessários...
No Colégio Agrícola de Bananeiras nem tudo era labor. Além das folgas que tínhamos para ir à cidade, a Escola dispunha de campo para a prática de futebol, bem como quadra poliesportiva, salão de jogos, onde diariamente costumava praticar o table tennis – ou, como queiram, o tradicional ping-pong.
A propósito, esse era – e ainda é – o meu esporte favorito, que ainda pratico com uma boa habilidade.
Recordo-me que, quando estudante, deixara de praticar outras modalidades esportivas para me dedicar de corpo e alma ao tênis de mesa. É bom lembrar, no entanto, que nunca procurei me profissionalizar nesse esporte; sequer disputei um campeonato oficial nessa modalidade.
O Colégio Agrícola Vidal de Negreiros de Bananeiras – hoje Campus III da UFPB – oportunizou a todos nós que por lá passamos, uma formação cultural, moral, esportiva, etc., o que nos abriu um leque de opções para que nos tornássemos bem-sucedidos no dia-a-dia da vida profissional.
Por tudo isso, somos deveras gratos aos ínclitos docentes, diretores, enfim, aos demais funcionários desse Educandário, que só têm honrado, ao longo de sua história, o nome da Paraíba em âmbito nacional!