A crise da Funserv. O caso é polêmico, mas a preocupação do MP faz ...

EDITORIAL - [ 29/10 ]

Notícia publicada na edição de 29/10/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A.

O caso é polêmico, mas a preocupação do MP faz sentido: afinal, aquilo que na iniciativa privada sai do bolso do patrão, na administração pública é pago pela sociedade

Não é apenas a assistência médica dos servidores públicos municipais e de seus familiares que está sendo discutida judicialmente no caso Funserv. É a aplicação de recursos públicos providos pelos contribuintes - e que, dessa maneira, devem interessar diretamente a todos os sorocabanos.

A contribuição para a Funserv (Fundação de Seguridade Social dos Servidores Públicos Municipais) funciona, no que se refere à assistência médica, como um convênio desses que as empresas particulares contratam para cuidar da saúde de seus funcionários. Na iniciativa privada, até por força das convenções coletivas, é normal o empregador bancar o convênio integralmente ou descontar uma parte dos empregados (co-participação), visando ao bem-estar de todos e ao bom funcionamento da empresa. No setor público, porém, o que poderia passar como apenas um benefício aos funcionários - mais especificamente, o pagamento de uma parte do custeio pelo empregador -, está sendo interpretado pelo Ministério Público (MP) como uma violação de preceitos constitucionais. O caso é polêmico, mas a preocupação do MP faz sentido: afinal, aquilo que na iniciativa privada sai do bolso do patrão, na administração pública é pago pela sociedade.

É legítimo a Prefeitura manter serviço de saúde exclusivo para os servidores, funcionários comissionados e agentes políticos, com dinheiro público? O Ministério Público entende que não. A Constituição autoriza os Estados, Distrito Federal e municípios (artigo 149, parágrafo 1º) a instituírem contribuição, a ser cobrada dos servidores, para custeio do sistema de previdência e assistência social - e só. O custeio de serviços de Saúde paralelos ao SUS - assim como a cobrança compulsória de contribuição para esse fim - seria, portanto, inconstitucional.

É claro que a Prefeitura também deve ter seus argumentos, para defender a lei nº 6.039/99, que criou a assistência à saúde do servidor público municipal. Certamente os apresentará no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), impetrada pelo Ministério Público, com alguma chance de reverter a situação que se instaurou após a liminar concedida pelo Tribunal de Justiça (TJ), e que suspendeu os repasses de recursos para a Funserv, interrompendo provisoriamente os serviços de saúde oferecidos a 23 mil pessoas (incluindo inativos).

Enquanto isso, porém, está claro que, independente do grau de confiança do Executivo sorocabano em uma possível sentença favorável, é mais ponderado rever, com a urgência que o caso inspira, a legislação municipal para assegurar que os servidores não continuem privados dos serviços, e que, no caso de uma sentença desfavorável, a Funserv não venha simplesmente a quebrar, pela obrigatoriedade de devolução das quantias a ela repassadas inconstitucionalmente. Por sinal, a Funserv já corre esse risco, desde a sentença em primeira instância do juiz José Carlos Metroviche, que mandou a fundação “ressarcir toda a contribuição recebida do Poder Público Municipal, mais juros de mora de 1% ao mês, desde a citação, mais correção monetária desde a data da distribuição da ação”. E isso, em junho de 2006.

Como o governo municipal arrumará a casa, eis uma questão delicada. Mas, diante dos argumentos apresentados pelo MP, parece claro que o serviço de saúde deva ser reestruturado apenas com a contribuição dos servidores - e, muito importante, deixando-os livres pare escolher se querem ou não manter o convênio. Uma primeira proposta de revisão legal, à qual a imprensa não teve acesso, foi considerada inconstitucional pelo MP.

O momento, embora crítico, é oportuno para reformular o convênio com a Funserv tendo em vista assegurar benefícios duradouros e a própria saúde financeira da fundação. Até que a Adin seja julgada, insistir na contribuição patronal seria um erro.

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 29/10/2009
Código do texto: T1894330