No dia dos pais

Chegado o dia dos pais. Porque é claro, se há dia das mães, dia das crianças, da vó, do amigo, do vizinho, do cachorro, do coelhinho da páscoa e o escambal, o dia dos pais não poderia deixar de existir...

Contrariando a regra da sociedade burguesa, não comprei presente algum pro meu pai (até porque, como mais da metade das famílias modernas do mundo contemporâneo, meus pais são divorciados e "eu moro com a minha mãe, mas meu pai vem me visitar" de vez em quando, quase nunca... se fosse para eu mandar-lhe algo o sedex ficaria mais caro que o próprio presente). Pensei em enviar um cartão virtual, desses que achamos em qualquer esquina nessa cidade altamente globalizada que é a internet. Mas esses cartões são sempre muito superficiais, hiperbolicamente coloridos e com textos que muito dizem porém nada dizem... Queria algo mais "pessoal" e resolvi enviar um email. Mas o que dizer? "Parabéns, papai, eu te amo"; "que seja muito feliz e tenha tudo o que merece". Cansam-me esses clichês. Cansa-me essa monotonia. Nada de novo e mais real? Vejo meu pai uma vez por ano e me adaptei a essa coisa inventada pelos portugueses chamada "saudade". Acho que nem sinto isso mais. Desenvolvi resistência já e meu pai é simplesmente um velho amigo velho de infância. O que escrever, então, se faço questão de manter a sinceridade? "Parabéns, que seja feliz... Muita paz e tranquilidade, com amor, de sua filha distante". Fiquei horas olhando a tela do computador, sem saber por onde começar, como desenvolver, como terminar... Será que todos os filhos de pais divorciados têm esse mesmo problema? Ou será que se rendem à hipocrisia dizendo um "eu não sei o que seria de mim sem você" e presenteando com uma lembrancinha legal? Bem, não importa, minha missão era escrever algo e até o fim do dia eu teria de ser capaz de cumpri-la. Comecei do início: um singelo "olá". Nada melhor do que isso, não? Nunca o chamei de pai e chamar pelo nome, sei lá, é estranho... O "olá" resolve esse problema. É... Ao menos consegui começar! Agora era só pegar o embalo: "bem... acho que você ainda é meu pai, né? e talvez eu ainda seja sua filha... então, já que a burguesia escolheu o dia de hoje pra se comemorar o dia dos pais, nada mais justo do que eu, sua filha, dar-lhe os parabéns, certo?". Depois disso não teve jeito, tive que me render ao super-hiper-mega-clicherizado "feliz dia dos pais e tudo de bom hoje e sempre". Ia escrever com sinceridade a respeito da distância que nos separa, que não é apenas física, não podemos negar. Nunca nos falamos nem por telefone, email, MSN, orkut. Inúmeros recursos foram inventados para "encurtar a distância" entre os lugares mais longínquos, contudo permanecemos distantes e cada vez mais... sem sequer fazer algo para mudar. Mas preferi não tocar nesse assunto, afinal... é dia dos pais, né? Então preferi terminar: "você sabe que eu te amo, né? bem... eu acho que sim, amo você, filhos sempre amam seus pais...".

Kadabra
Enviado por Kadabra em 09/08/2009
Código do texto: T1745674