Diário de uma professorinha
Aos seis anos de idade já aprendia inglês numa lousinha preparada especialmente para as aulas que o seu irmão lhe ensinava. Sempre uma aluna exemplar, seguiu as etapas escolares buscando conhecimento e sabedoria. Aos quinze anos cursava, à noite, um profissionalizante, o curso técnico em contabilidade e no período matutino cursava o ensino médio. Eh, vontade de estudar! Fez cursinho pré-vestibular e passou em três faculdades particulares, na terra da garoa. Optou pelo curso de administração com ênfase em comércio exterior. Fez este curso por dois semestres, e, como já era de se esperar, apesar do técnico contábil, não agüentou tanta estatística. Decidiu-se, então, pelo curso de Letras. Nesta época, já havia prestado o concurso do Banespa e passado muitíssimo bem, assumindo uma posição como escriturária logo na primeira chamada. Ela acreditava em si!
Freqüentou a faculdade por três anos ininterruptamente e passou para o quarto ano. Então, aconteceu que, inesperadamente, desistiu de estudar. Estava envolvida num relacionamento com um rapaz caipira e sem entender bem os motivos, trancou a matrícula.
Sempre que refletia e pensava em voltar, desistia. Ela estava sozinha. Ele não incentivava em nada. Ela não queria nada. Lastimável. Ela não acreditava mais em si mesma.
Ficou por um longo período sem saber a cor das letras e isso lhe consumia. Faltava algo nela. Estava vazia. Dez anos se passaram. Fim do relacionamento.
A primeira atitude que tomou foi se matricular numa faculdade e retomar os estudos. Acreditou em si, novamente. Durante o período de estágio foi convidada a ministrar aulas, e, quando pisou na sala de aula, disse a si mesma: estou realizada!
Hoje foi o meu primeiro dia de estágio. Tudo começou na escola particular da cidade. A docente me apresentou aos seus alunos da 5ª. Série como uma futura professora. Senti-me emocionada! Professora! Professora! Pro-fe-sso-ra! Sentei-me na primeira carteira porque foi o primeiro lugar disponível que vi (o aluno que sentava ali estava ausente neste dia). Logo, o garoto gordinho que sentava-se ao lado, perguntou:
__ A senhora vai estudar aqui?
Risos. Não sabia se eram pra mim ou se eram sobre mim.
Os outros alunos, menos intimidados com minha presença, ficaram bem à vontade. E eu também.
Na primeira fila havia uma garotinha com seis trancinhas na cabeça, amarradas com fitas coloridas. Fiquei observando. Na segunda fila, um garotinho educado, mas que teimava em olhar ora para trás, ora para os lados, e, para mim, um pouco sem jeito. Continuei observando. O garoto gordinho que tinha me feito a pergunta passou quase que a aula toda deitado sobre a apostila. Gente, isso é normal!? Pensei. A professora da sala não chamou a sua atenção. Ele, por sua vez, não manifestou interesse nem na correção dos exercícios dados. Ah, mas ele tinha um álibi. Tão novo e já tinha um álibi! Alegava que não havia grafite em sua lapiseira. Menino, cadê o lápis, no caso de a lapiseira não funcionar!? Humm! Não funcionou! Que pena!
Em seguida, a professora escreveu um poema no quadro negro que não era negro, porém, verde oliva. Ah, dividiu a sala em grupos e determinou que cada grupo fizesse uma pesquisa biográfica sobre os autores poetas. O texto dado foi a inesquecível Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. Que obra! Que talento! Que desinteresse! Os alunos falaram até o final da aula, sem parar. Levantaram. Pediram pra tomar água. Ir ao banheiro. Até que um deles pediu o som pra colocar o cd do Guns & Roses. E eu que nesta fase, nunca tinha ouvido falar nem da Madonna? Surpreendente!
A distinta senhora me perguntou se eu estava certa da profissão que escolhera, num tom quase que irônico! Eu não entendi!? O barulho era alto, parecia o Vale do Anhangabaú! Apesar de tudo isso, gostei muito da experiência. Resta saber, até quando...
O sonho não acabou! Uma professora da graduação disse-lhe que ela deveria continuar os estudos se quisesse qualificação. Ela acreditou na professorinha. Esta acreditou em si. Acreditou que poderia mais, muito mais.
Hoje, conta essa história para os seus alunos e deixa-lhes uma certeza: acreditar em si mesmo é o primeiro passo para o infinito! Mostrar ao outro que ele também é capaz instiga-o a revelar uma força motriz.