O ATO DE LER

O ato de ler é um ato de recriação do mundo. Nos primeiros sete segundos de leitura já um mundo novo é criado pelo leitor no fecundo espaço da sua imaginação. A geografia física e espiritual do mundo ficcional e poético surge diante de quem lê, que passa então, a reescrever a obra, da qual se torna também o autor.

O ato de ler é um ato de coragem existencial. O leitor joga-se inteiro num universo de narrativas ou de metáforas desconhecidas, construídas pela energia fabulativa e poetizante do escritor, e feitas de toda alma e de todo corpo, sem tréguas e sem piedade, no desvendamento implacável dos recônditos mais complexos ou obscuros da condição humana.

O ato de ler é um ato de fusão dialética entre razão e sensibilidade. No Oriente, sintetiza Confúcio e Lao Tse. No Ocidente, talvez Marx e Freud. O aparato descritivo da razão é fulminado por transcendências, insolitudes, e inquietado por hipóteses de existência incompreensíveis à luz da razão, mas contudo iluminadoras dos variados sentidos da vida.

O ato de ler é um ato de encantamento. Para uma “humanidade que não suporta tanta realidade” , como sabe T.S. Eliot, a leitura é uma viagem segura para a nau insensata da sensibilidade, levando-a a paragens e a estágios supra-racionais, fazendo-a perder-se, mas não completamente. Quando o leitor fecha um livro, às vezes a contragosto, recobra o seu estado de normalidade, sem correr altos riscos.

O ato de ler é um ato fundador de atitudes. O fio de descobertas, de revelações, através de personagens e metáforas, desata-se em outros atos que vão entrelaçando tecidos espirituais, fortalecendo sínteses morais, quando então se condensam no elemento espiritual de uma nova atitude. E esta, do fundo do ser, oferta ao caráter um novo molde psíquico, regenerador da personalidade.

O ato de ler é um ato de amor e de crença na espécie humana e em si mesmo.