"BEIJO e SEXO não EXISTEM"

"Ela na ponta dos pés.

Ele avançando o peito.

Ela sem entender como ele imobilizou suas duas mãos com apenas um braço.

Ele pressionando o abdômen, colando as pernas, travando o pescoço, puxando o cabelo.

Ela asfixiada, querendo ao mesmo tempo fugir e ser pega.

O que fazem suas bocas, línguas e lábios, isso não importa.

Onde começa o beijo?

Quando os lábios se tocam ou quando os pés se levantam?

Em que ponto o sexo acaba?

Quando ele joga a camisinha no lixo do banheiro ou quando se despedem após o café da manhã?

Em qual momento o beijo vira sexo?

Eles ficaram ou eles transaram?

Se há penetração, é esse o critério?

E o sexo oral?

É um beijo mais interessante, um melhor uso da boca, ou apenas uma preliminar ao sexo?

Infelizmente não são apenas os adolescentes que pensam sob tais categorizações.

Muitos homens encaram suas relações como se fossem moleques aprendendo a beijar.

Eles colocam fronteiras e depois, claro, tem dificuldade de ultrapassá-las.

Primeiro o beijo, depois tocar o corpo inteiro, depois o sexo.

Por imaginar um momento distinto para o beijo, ficam ansiosos (”Qual o melhor momento para avançar?”).

Porque supõe que o sexo começa e termina, não sabem o que fazer quando brocham.

O melhor beijo é aquele que não se beija

Às vezes o homem (ou a mulher) quer beijar, mostrar serviço, exibir aquela técnica tailandesa de chupar a língua que leu há anos em um artigo sobre 9 tipos de beijo.

Ele quer fazer algo.

Antes, porém, ele espera o momento e se move em direção ao beijo.

Sua ansiedade o impede de experimentar várias possibilidades.

Por exemplo, o que aconteceria se agisse como se o beijo já tivesse acontecido?

Ou, se no momento certo para o beijo, não beijasse e seguisse se relacionando noite adentro?

Quem já entendeu que beijo é uma coisa que não existe deixa a energia subir e sempre se surpreende quando o beijo acontece.

No primeiro encontro, uma peça de teatro no SESC Avenida Paulista e depois uma longa conversa no Paris 6.

No segundo, samba de gafieira, salsa, bolero e forró no Buena Vista Club.

A noite inteira colados, suando juntos, às vezes com os lábios a 2 centímetros, mas nenhum beijo.

No terceiro encontro, chegam no apartamento dele depois de algumas horas no bar Anhanguera.

Quando o beijo acontece, ambos sabem que aquilo que não é um beijo.

Ora, beijo seria se tivesse acontecido no segundo encontro.

Agora é tarde demais…

O melhor beijo é o que se improvisa quando duas bocas param entreabertas a mílimetros de distância.

Beijo respirado.

Línguas, lábios e dentes… não.

Dos pés aos cabelos, nós beijamos mesmo é com o corpo todo.

O melhor sexo é aquele que não começa

Já vimos que a melhor cantada é transparente: a mulher nunca consegue apontá-la ou localizá-la e por isso não há como se defender.

Ela não desconfia que, enquanto ele a corteja, está jogando o jogo mais sujo de todos – fruto da perfeita união entre o homem gentil e o cafajeste.

Em vez de se restringir a uma frase, a noite inteira é sua cantada.

Assim como o bom xaveco é invisível, não planejado, assim como um beijo gostoso não se beija, o melhor sexo é aquele que nunca começa e por isso é, desde o primeiro olhar, inevitável.

Ela aceita o jantar e mesmo depois de anos nunca consegue entender como foi parar de pernas para o alto na cama dele.

“She didn’t know what hit her”.

Ele também: agora, suado, sem roupa, mantém a mesma calma que o acompanhou no restaurante.

Durante toda a conversa, ele não parou de conduzi-la, atravessá-la, penetrá-la.

Quando colocou a camisinha, não foi diferente.

Aliás, o uso de preservativos talvez seja o principal responsável por acreditarmos que o sexo tenha um começo e um fim:

'O mais extraordinário instrumento de controle sobre a vida sexual

foi produzido pela Aids, e isso é uma coisa que se fala muito rara-

mente. Tudo bem, camisinha é legal e obrigatório, por mais que o

Papa ache que não. O problema é que a maneira de transar mudou

completamente. Com camisinha, primeiro você tem que ter uma e-

reção, depois coloca, depois penetra, depois tem que ficar até go-

zar, depois tira e joga fora e aí acabou e cada um vai tomar ba-

nho. Mas antes disso transar era ficar ali por 20 minutos, pára,

bate um papo, toma um café, se beija, se chupa, explora… era

uma dinâmica completamente diferente. A relação com o corpo do

outro era completamente diferente. As relações sexuais se torna-

naram caretas e pragmáticas'. (Contardo Calligaris)

É por isso que atualmente os bons amantes, quando não abandonam a camisinha de vez, gastam três, quatro, cinco camisinhas por noite de sexo.

Uma massagem, alguns beijos, uma sessão de penetração, água, mais alguns toques, os dois se chupam, outra sessão de penetração, mais água, um breve cochilo, damascos, mais penetração…

E as embalagens de camisinha vão se espalhando pelo chão.

O sexo acaba quando paramos por um copo de água?

Damascos tem o poder de interromper o coito?

Massagem é preliminar?

Mas e se eu uso uma extensão do meu corpo para massagear dentro do corpo dela?

“Não faça sexo sem camisinha”, dizem algumas campanhas.

Como não?

Quem falou que o sexo se reduz à penetração?

O que então existe? (para homens)

Você pode passar a noite toda a setenta ou a dois centímetros de distância.

Você pode colocar sua língua dentro da boca dela.

Você pode tirar a roupa ou não tirar nada.

Pode fazer sexo anal ou apenas massageá-la.

O que importa é que você se relaciona com ela.

Em vez beijo e sexo, há incontáveis modos de relacionamento, interfaces de contato, profundidades de toque.

Pegá-la no colo, beijá-la na boca, bater na cara, conversar, massagear, fazer um 69 em pé, penetrá-la por trás, acariciá-la, respirá-la, lamber seu suor, escrever para ela…

É tudo a mesma coisa!

Se colocar fronteiras entre olhar, conversar, tocar, beijar e transar, vai ter de ultrapassá-las uma a uma, de modo previsível.

Se não enxergar fronteiras, nem ela nem você vai entender como foram parar nessa posição exótica no chão da sala.

Inspire o ar pela boca quando for beijá-la.

Puxe lentamente como se quisesse respirá-la para dentro.

Não foque a boca dela, relacione-se com ela inteira.

Em vez de tentar fazer algo com os lábios e a língua, mova todo o corpo.

O beijo acontece por si só.

E, quando acontece, ele nunca é um beijo.

Para transar, não use o corpo, penetre o quarto inteiro.

Você ouve “Stop this train”, sente o cheiro de baunilha que ficou da barra de massagem, agarra o quadril dela, olha para a janela aberta e mete em tudo isso.

Movimenta, invade, faz tremer.

De alguma forma, na sua mente, pelos seus cinco sentidos, pelos cinco sentidos dela, a cidade inteira goza.

Por fim, não estranhe se ela também não souber o que acabou de acontecer: “Nossa, o que foi isso?”."

(*) "Beijo e sexo são coisas que não existem", por Gustavo Gitti, in http://nao2nao1.com.br/beijo-e-sexo-sao-coisas-que-nao-existem.

Lobo da Madrugada
Enviado por Lobo da Madrugada em 08/05/2009
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