CHEIAS E ENCHENTES (2)
O rio Negro facilmente baterá seu nível máximo alcançado em 1953. Até o final do período das cheias ele deve estar acima dos 29,59 metros atingidos naquele ano em que Manaus tinha aproximadamente duzentos mil habitantes. Hoje a população da capital é dez vezes maior. No interior, o crescimento não acompanhou esta mesma proporção.
Conforme dados oferecidos pela Defesa Civil, o nível das águas chegou a subir 15 cm num único dia. Pouco, se comparado a 75 cm por hora, como aconteceu em Santa Catarina, porém muito se os parâmetros forem os da região amazônica. Um volume de água incalculável, se tomarmos o relevo plano da região.
Qual a diferença entre cheia e enchente?
O Brasil assistiu, comovido e revoltado, as noticiais sobre as recentes cheias no estado de Santa Catarina. Uma cheia desproporcional, sem aviso, proveniente diretamente das chuvas torrenciais que assolaram aquele estado. A impotência do homem ante a força da natureza ficou mais uma vez demonstrada. Foi uma enchente na mais dura acepção do termo, uma vez que veio acompanhada de desmoronamentos que provocaram muitas vítimas.
A cheia no Amazonas é cíclica. Todo o ano ela acontece com maior ou menor intensidade, sempre no mesmo período do ano. No ano que passou, o período chuvoso foi mais curto e os rios não chegaram ao seu nível mínimo. As chuvas intensas deste início do ano chegaram no momento da curta estiagem e rapidamente contribuíram para que os rios voltassem a encher. Explicações à parte, mesmo sendo esperada, a cheia veio com uma intensidade e uma velocidade que não permitiu colher as plantações da vargem. Muitos e muitos tiveram de mudar de casa, uma vez que a casa habitual ficou tomada pela água.
O ribeirinho que costuma queixar-se que não tem “nada”, quando perde esse “nada”, corrige sua fala e diz que perdeu “tudo”. Mesmo que a perda possa representar unitariamente pouco, as autoridades não podem fazer pouco caso das perdas. O pouco, das famílias sem posses, é tudo que possuem e, se não forem assistidas, dificilmente resistirão à tentação de pegarem o primeiro barco e virem a engrossar as periferias da capital.
Assim como em regiões de estações definidas, o inverno pode ser mais rigoroso provocando estragos, o mesmo acontece com as cheias no Amazonas. Embora não faça frio, nem as águas venham em torrentes de arrancar tudo – uma vez que a velocidade dos rios não aumenta com o aumento do volume – a cheia no Amazonas pode ser classificada de enchente pelo transtorno e prejuízo que causa.
Contudo, não cabe embarcar aqui no discurso fácil dos ecologistas que irão usar o clichê do desmatamento e da devastação para “justificar” a cheia excepcional. Lembremos que em 1953 a realidade era outra. Que há um ciclo que se repete a cada 10 anos, há muito definido, quando as cheias sempre são um pouco maiores.
As cheias no Amazonas poderiam ser usadas como atrativo turístico, uma vez que se pode alcançar de barco regiões inimagináveis na seca. Sabendo-se de sua ocorrência, com data definida, se poderia usar isso a favor, como outras regiões fazem o turismo de inverno. Talvez fosse uma maneira de promover a sustentabilidade de uma região com planejamento, fugindo do paternalismo.
Luiz Lauschner – escritor e empresário.
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