Bem acompanhada

Em pleno século XXI, tem certas coisas que uma mulher sozinha ainda não pode fazer sem causar alguma curiosidade nas pessoas. O que é injusto, já que às vezes, estar sozinha é muito melhor do que em má companhia. Nada pode ser melhor do que, numa crise de TPM (sim, ela existe!), entrar numa sala de cinema pra ver um filme daqueles que te arrancam lágrimas tolas, ou daqueles romances melados com final feliz.

Mas ainda assim, insistem em crer que uma mulher não existe sozinha. Ou é como os pássaros e anda em bandos, ou precisa ter ao seu lado um homem que componha a paisagem.

Hoje fui almoçar sozinha. Não por opção; um amigo está adoentado, outros deixaram seus compromissos particulares para o horário do almoço. Lá fui eu.

Cheguei no Planeta's arrastada por uma rajada forte de vento que, apesar do meu porte, me fez sentir uma folha, leve, leve. Entrei no restaurante meio esbaforida, fugindo do vento que fazia um penteado revolucionário no meu cabelo, e acabei chamando a atenção, logo de entrada.

O Planeta's é um restaurante tradicional que fica na Martins Fontes, centro de São Paulo. Sempre que entro nele sinto como se estivesse entrando num navio antigo, de construção simples e irregular, com acabamento rústico em madeira. O teto parece um deck e essa ilusão de ótica dá a sensação de estarmos de ponta-cabeça, sem que nada mais esteja fora do lugar.

Sentei-me na minha mesa preferida, ao lado da janela coberta por cortininhas brancas por entre as quais atravessam fachos da luz do sol e por onde é possível ver os carros que vão e vêm de todos os lados. Prontamente, Nildo (um dos garçons - lá já sou velha conhecida de todos eles) vem me atender e bater aquele bom papo de sempre. Todas as pessoas têm histórias fantásticas pra contar! E Nildo também tinha a sua...

Mas o que me intriga é o visível incômodo da minha presença solitária ali, perturbando a ordem. Incrível como me tornei alvo de olhares. Dos masculinos, evidentemente, mas sobretudo dos femininos; estes sim pareciam devorar-me. Um grande amigo sempre fala que uma mulher sozinha é inimiga declarada para as acompanhadas. E hoje constatei que não só pra elas.

Lá estava eu, tomando minha taça de vinho tinto da casa, aguardando meu prato e sendo mimada pelos garçons, que me traziam sempre alguma novidade para contar ou experimentar.

O Planeta's é freqüentado por uma diversidade incrível de pessoas, portanto torna-se difícil descrever seu estilo. Ali vão executivos que trabalham no centro da cidade, com suas gravatas bonitas e unhas cuidadas; funcionários de empresas circunvizinhas (como eu); artistas que estão em alguma atividade ou peça montada nos arredores; brotam algumas famílias com aquele trinômio clássico 'pai-mãe-filho'; casais de amantes, que se escondem nas reentrâncias de sua arquitetura; velhas amigas; amigos antigos; jovens...

Mas a presença avulsa de uma jovem senhora de quarenta anos naquele tradicional reduto de convivência era algo sentido e observado. Não me incomoda. Ao contrário, gosto de ser autêntica e ali, naquele dia, eu era uma pessoa sozinha.

Brinquei de escapar dos olhares fortuitos dos homens, sozinhos ou acompanhados - de colegas de trabalho, penso eu - e encarei os olhares femininos, como se os desafiasse para um duelo.

Diverti-me!