A FALÁCIA DA FALTA DE ÁGUA

Quando viajei para a Venezuela pela primeira vez, de carro, fiquei pasmo ao constatar que a gasolina era trinta vezes mais barata que aqui. Un regalo, como dizem os venezuelanos. Um preço absurdo que não deve levar em consideração o custo de extração, mas apenas a logística de distribuição. Para justificar a política de preços disseram-me que o país tinha petróleo sobrando. Cobravam o que era exportado a preços de mercado e quase nada pelo que é vendido à população.

Peço desculpas por estar fazendo essa comparação. Contudo, ela se justifica se repararmos na distribuição de água na Capital Amazonense. Uma cidade que sofre com o excesso de água potável – se é possível isso – paga as mesmas taxas de água que o árido nordeste. Não concordamos com o desperdício de petróleo como acontece no vizinho país, onde uma lanchonete se dá ao luxo de entregar sanduíches num carro com motor V8, nem tampouco com o mau aproveitamento da água. Todo desperdício, mesmo que não doa no bolso, acaba doendo na alma, porque é dar um mau destino a um produto nobre para sua função.

Durante minha vida empresarial tentei por muitos meios mostrar a importância da economia de água às pessoas que trabalhavam comigo. Depois refleti que era uma idiotice. Afinal, se há um produto que não falta no Amazonas é água. E água de excelente qualidade. Simplesmente é impossível cavar uma cacimba e não encontrar água em abundância. Sem contar as chuvas que caem com tanta intensidade. Enfim, se existe fartura é na água. Por mero exercício de matemática, se uma casa com telhado de 50 metros quadrados coletasse a chuva que cai sobre ele, juntaria 350.000 litros em cada mês, durante este período chuvoso. Depois, no período da “estiagem”, se despencasse 80% ainda não haveria falta de água para atender as necessidades da família, sem necessidade de economizar.

Um empresário, revoltado com o alto custo da água, resolveu furar um poço. Foi advertido que a exploração da água era um direito exclusivo da concessionária. Toda a água do subsolo pode ser taxada quando explorada por consumidores. Será que farão o mesmo com a água da chuva? Qualquer um pode chegar e dizer que não quer a água da rede pública, o que não o isenta de alguma taxa, mas poderia também pedir à concessionária que o livrasse da chuva?

Nos arredores de Manaus, a exemplo da própria área urbana, as nascentes não estão merecendo o cuidado que deveriam receber. Isso é um crime que nada tem a ver com a economia de água. Estragar a água no nascedouro é um prejuízo muito maior que deixar de fechar a torneira na hora de escovar os dentes. Preservar as nascentes, cuidar dos mananciais é compromisso de qualquer cidadão. Ou deveria ser. Garantindo a fonte, haverá sempre abundância de água para gastar.

Nós, graças à natureza abençoada não temos a preocupação de regiões áridas. Nessas regiões, onde os agrônomos fazem cálculos para saber se é mais barato transportar água onde há terra ou terra onde há água, justifica-se qualquer economia desse precioso líquido. Contudo aqui, onde a natureza é pródiga, onde há água em abundância, educar a população para consumir menos água é como pedir a um atleta olímpico que vá devagar.

Estimular o desperdício é um contra censo em qualquer situação. Porém devemos saber dosar as regras. Quando a concessionária de água começa a bater muito na tecla da economia e na falácia de falta de água, está se preparando para mexer em seu bolso.

Todos sabemos que a água é um bem muito importante e que está em falta em algumas regiões do planeta. Usar água em abundância não significa desperdiçar. Significa, aqui na região, fazer uso daquilo que a natureza nos deu em abundância.

Luiz Lauschner – Escritor e Empresário

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Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 11/03/2009
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