BAR BODEGA – Um crime de imprensa - comentários
BAR BODEGA – Um crime de imprensa - comentários*
*Valter Pereira Gomes, Subtenente do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós Graduando em Gestão e Políticas em Segurança Pública, Instrutor de Legislação Militar na Academia Integrada de Defesa Social de PE, Conciliador do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Recife, fevereiro, 2009.
INTRODUÇÃO.
O objetivo desse artigo é analisar de que forma o crime do bar Bodega, ocorrido no dia 10 de agosto de 1996, no interior de uma choperia localizada em Moema, bairro nobre da cidade de São Paulo foi visto, apurado, noticiado e investigado pela sociedade, polícias civil e militar, imprensa e Ministério Público.
Focamos o estudo, além do livro “Bar Bodega – um crime de imprensa”1, também em depoimentos do próprio escritor, que também é jornalista, à Globo Livros, em 29 de janeiro de 20082.
O crime chocou o País, pela futilidade dos criminosos ao assassinarem duas pessoas inocentes durante o assalto ao Bar Bodega, bem como, pela maneira em que se deu a investigação do caso pela Polícia Judiciária – Polícia Civil do Estado de São Paulo, contrariando todas as garantias constitucionais prevista à pessoa humana, que no caso, 9(nove) jovens, entre eles alguns menores, os quais foram alvos de confissões brutais, “adquiridas” sob torturas, espancamentos, choques elétricos, e toda forma de agressão.
PROBLEMÁTICA.
A Constituição Republicana de 1988 conferiu à Polícia Civil, a apuração de infrações penais, conforme se vê no art. 144, § 4º. Também, a Carta Magna assegurou como um direito fundamental, previsto no art. 5º, III, a vedação de tortura, tratamento desumano ou degradante.
De certo, o processo legal somente poderá ser considerado regular se estiver sob estrita observância da lei; logo, caso haja alguma prova no inquérito ou mesmo nos autos processuais que tenham sido obtidas por meios ilegais, a exemplo da tortura dos indiciados -réus, estarão viciando o processo, já que no mesmo dispositivo citado acima, verifica-se o seguinte no inciso LVI: “ são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
A Carta Magna, em seu art. 129, prevê ainda que compete ao Ministério Público, entre outras, a promoção privativa da ação penal pública e o controle externo da atividade policial. Pois bem, o crime aqui, Latrocínio, é de natureza pública incondicionada, logo privativo do Parquet. Sendo assim, o Promotor de Justiça ao receber os autos do Inquérito Policial fará uma análise dos fatos, do(s) indiciado(s), da prova, do nexo causal, em síntese: da autoria e materialidade.
O caso relatado no livro-documentário serve tão somente para nossa reflexão, pois inúmeros casos idênticos ainda hoje acontecem sem que ganhem a notoriedade como se verifica no “Bar Bodega”. Diversos Cléverson Almeida de Sá3 são vistos nas periferias dos centros urbanos - jovens pobres, sem qualificação e excluídos, muitas vezes indiciados por crimes que nunca praticaram. São até obrigados a assinarem o termo de confissão, sob pena de serem torturados.
Um fator relevante que ficou bem esclarecido foi a influência da mídia, todos nós sabemos que a imprensa é um “poder” paralelo ao Estado. Os veículos de comunicação têm sido muitas vezes usados com desvio de sua finalidade ou para atender interesses de grupos econômicos.
Ficou evidente que no ano de 1996 a cobertura dada ao crime no bar bodega, de propriedade dos atores globais, Luiz Gustavo e os irmãos Tato e Cássio Gabus Mendes, teve repercussões nacionais. Além do mais, as vítimas fatais, Adriana Ciola, 23 anos, estudante de odontologia; e de José Renato Tahan, 26 anos, dentista, pertenciam a uma classe elitizada da sociedade paulista. Logo, a Polícia Judiciária – Polícia Civil do Estado de São Paulo “deveria” identificar o mais rápido possível os autores do crime.
Para tanto, não mediu esforços e tratou logo de “identificar” aquele que seria o “bode espiatório” da história, o autor dos disparos, o homicida cruel e bárbaro que a sociedade paulista clamava em conhecer.
Nisso, figurou como o principal autor do fato, Cléverson, um jovem da periferia paulista, órfão de mãe – que a viu ser morta pelo ex-companheiro, e que após isso começo a envolver-se em pequenos furtos, roubos e consumo de drogas.
Sob tortura Cléverson é obrigado a revelar um crime que não cometeu, fazer reconstituições que não se ajustavam, denunciar pessoas que mal conhecia, enfim, saciar o clamor social. E, em 15 dias após o evento criminoso, a polícia já apresentava àqueles que seriam os responsáveis pela morte das vítimas: cinco jovens negros e pobres, moradores da periferia da região da Grande São Paulo .
Mas, em meio a tantas injustiças, por parte de agentes, de Delegados, da própria imprensa, surge a figura do jovem Promotor, à época, Dr. Eduardo Araújo da Silva, que mudou todo o rumo da história. Já que as autoridades policiais davam o caso por encerrado e afirmavam piamente que os criminosos seriam Cléverson e seus 8(oito) comparsas.
De imediato o Promotor já questionou a quantidade de indiciados, 9(nove), quando na verdade as vítimas e funcionários do bar bodega diziam ter sido em torno de 5(cinco). Outro ponto crucial foi o não reconhecimento dos indiciados pelas vítimas. Além também das graves denúncias de parentes dos presos ao Promotor sobre torturas.
Com muita cautela, o Promotor em seu Parecer resolveu não denunciar os indiciados, pelo contrário, opinou pelas suas liberdades, além de requisitar a apuração das infrações cometidas pelos policiais civis quanto a tortura praticada. Obviamente foi “linchado” pela imprensa, pela Polícia Civil e pela Sociedade Paulista.
Após novas diligências pela Polícia Civil e Serviço Reservado da Polícia Militar enfim conseguem prender os verdadeiros criminosos, ao todo 5(cinco): Sandro Márcio Olímpio, Silvanildo de Oliveira Silva, Francisco Ferreira de Souza, Sebatião Alves Vital, Zeli Salete Vasco.
Todavia, não houve referências ao trabalho imparcial e justo do Promotor, nem tampouco quanto ao biotipo dos novos indiciados, todos brancos, diferentes dos inocentados, que eram em sua maioria mulatos e pobres.
CONCLUSÃO.
A concepção que chegamos, e outra não poderia ser, é que a imprensa muitas vezes dita “as regras do jogo”. Coloca alguém no poder, como também destitui. “Incrimina” inocentes com rótulos que dificilmente serão apagados da vida privada do indiciado.
Recentemente, temos visto ampla divulgação de pessoas públicas algemadas, quase sempre, por excesso das autoridades policiais, em todas as esferas, tão somente para dar reconhecimento e notoriedade a algumas operações policiais. É fato. É real.
Milita-se em favor da Imprensa a liberdade de expressão e de atividade profissional, todavia esses princípios devem ser moderados e analisados previamente suas repercussões buscando evitar injustiças como àquelas feitas no ano de 1996 aos jovens da periferia paulista.
Precisa-se também de profissionais como o Promotor Eduardo Araújo para que ousem em não conformar-sem com o contido em peças inquisitórias, mas que cumpram fielmente suas funções primordiais: promover a justiça.
REFERÊNCIAS.
DORNELES, Carlos. Bar Bodega - um crime de imprensa. São Paulo: Editora Globo, 2007.
BRASIL, Constituição Federal - Código Penal - Código de Processo Penal. Organizador Luiz Flávio Gomes. 10ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008.