Alienação e reconciliação
Há que se considerar a condição humana frente sua consciência e seu estado de alienação.
Quando aqui falamos em alienação, estamos nos referindo ao estado ilusório e complexo em que a consciência humana se processa durante sua existência.
O ser humano perambula entre a aparência e a realidade da vida, entre a ilusão e o essencial. Encontra-se mergulhado no horror que permeia seu cotidiano, e em meio a este quadro ele vislumbra, busca, deseja (talvez até sem o saber com clareza) algo que representa a harmonia, o equilíbrio onde, possivelmente, não mais seja preciso estar fazendo escolhas que implicam, infalivelmente, em perdas e ganhos; em prazer e dor; em agonia e êxtase, em conquistas e derrotas.
Neste impulso direcionado á reconciliação, há uma sensação de quase reconhecimento, ou “lembrança”, que o leva a desejar encontrar a paz, que supostamente já conhecia, e que o livre do inexorável jogo da dualidade.
Nesta esfera da realidade aparente, do jogo do ser e vir a ser, a ânsia em buscar algo que o liberte do eterno conflito e miséria em que se encontra, nesta mesma dinâmica, na emergência da própria consciência, está a alienação. E, da própria alienação advém o impulso de buscar a reconciliação. A reconciliação, neste movimento incessante e quase involuntário, passa a ter uma conotação de Sagrado, de libertação, de Salvação.
Embora o Homem sinta-se, de certa forma, ludibriado, como se os “Deuses” trapaceassem, percebe que pode haver uma saída. Pressente a presença infalível da mão divina estendida em sua direção, como se uma sutil e decisiva garantia e segurança.
Assim ao buscar a Reconciliação depara-se com suas limitações e é no domínio do Sagrado que ela poderá ocorrer.
Em sua mísera condição de conflito, na ambigüidade do bem e do mal, o homem vive a dialética da reconciliação de modo agudo e dolorido.
Quando nos enveredamos por estudos desta situação, vamos observando que se discorre sobre os mais diversos tipos e estados de alienação, sobre variados sistemas alienantes que atuam de forma determinante na vida do homem. Também percebemos que este assunto está longe de ser concluído com sínteses definitivas.
O que podemos apreender, ao estudarmos toda a complexidade que habita a consciência humana, além da clara condição real do homem, é que há muito ainda a se refletir sobre a saída desta condição.
O como, o quando, a possibilidade, a garantia de êxito, são indagações que deveremos enfrentar por longo tempo, no decorrer de nossa existência; buscando um foco de Luz que ilumine os soturnos caminhos das dúvidas e ofereçam ao homem o benefício de pesquisas reconciliatórias ou complementares aos que antes de nós, por lá enveredaram.
Portanto, a própria reflexão, o fato de se pesquisar atentamente, é uma vivência singela que efetiva a dialética da própria reconciliação.
Uma vez que tenhamos compreendido que a alienação é um estado paradoxal, pois implica a emergência da consciência e o torpor da mesma, causados ambos pela própria dinâmica da realidade e a aparência, poderemos nos enveredar por reflexões no âmbito da religiosidade.
A Religião trata da origem, do destino do homem. Ela tematiza a aflição humana, portanto trata da alienação.
Essa sensação aflitiva, essa agonia significa a angústia pela impotência a qual logo o homem percebe, qual seja, a percepção de algo plenificador e a impossibilidade da realização.
A Religião está ligada a cultura, ao passado evolutivo do homem e, portanto, aos seus limites, suas amarras.
O homem religioso transita na esfera do Sagrado. Transcende os valores culturais, a ética de conduta; lida com a vontade e a razão como transcendentes, pois elas não são suas, mas da divindade que poderá expressar-se através delas. Lida com as proibições numa esfera ampla, dramática, pois há a consciência do macrocosmo e do microcosmo e ao cometer uma transgressão todo o macro se ressente, assim como ao realizar um ato de generosidade todo o cosmo se beneficia. Essa interligação do todo é algo que o assusta e ao mesmo tempo o fascina.
A alienação é em última análise, uma proteção e até uma possibilidade que oportunizará a reconciliação.
Para o homem religioso encontrar a paz implica a noção de batalha, de superação. O homem religioso, ao que me parece, pauta sua conduta na constante tentativa de ampliar a sua consciência e dirigir-se ao Sagrado. Que se entenda bem que, como homem religioso estamos nos referindo ao ser humano que, de alguma forma, não importa qual a Igreja ou Instituição que adote, busca aproximar-se do Sagrado, lutando em certa medida com o que classifica de profano.
Se com esse procedimento não resolve ou elimina a alienação, provavelmente ampliará o nível de tolerância e compreensão, onde irá lidar com as frustrações, que são inevitáveis nesta empreitada.
Talvez, apenas talvez, a não resistência, a entrega confiante na vontade do sagrado, a confiante busca da mão estendida em seu auxílio, que pressente mesmo sem ver, sejam elementos que determinem a eficácia na convivência com a ambigüidade do bem e do mal.
Estarmos atentos aos movimentos internos de nossa consciência é sem duvida nenhuma uma atitude inteligente e profícua que poderá render dividendos surpreendentes aos que insistirem em assim proceder.
Priscila de Loureiro Coelho
Consultora de desenvolvimento de Pessoas