Entre a utopia e a estupidez
Com a quantidade de olhos dirigidos a ele, Obama tornou-se o alvo de uma tempestade de expectativas. Atraídos pela mídia onipresente da Aldeia Global, motivados por um momento histórico inédito ou para saciar a simples curiosidade que se manifesta em massa, os olhares do mundo esperam as palavras, os gestos e os atos do novo presidente americano. “Podemos mudar”, disse em campanha. O que fará em prol da mudança o presidente Barack Obama?
A disposição de fechar Guantánamo é o primeiro sinal de que o discurso pode, de fato, ser traduzido em ações concretas, respondendo a anseios que ultrapassam as fronteiras de seu país e os sonhos daqueles que votaram nele. Aquela prisão militar para terroristas se transformou num castelo de horrores de tortura e execração, um lugar onde o mofo da história, em sua pior espécie, recorda a estupidez humana.
Sua desativação será uma boa notícia, mas não basta. O desastre diplomático do governo de Bush júnior, por si só, pede um rearranjo estrutural nas relações entre os EUA e a comunidade internacional. Para resgatar a confiança e melhorar a imagem de arrogância, que vem de longe e alcançou o auge na era Bush, será necessário ir além das promessas conceituais que fizeram de Obama o primeiro negro na Casa Branca.
Para deixar de lado o entusiasmo dos obamistas e superar uma extravagante sensação de que toda utopia será real de agora em diante, nada como o confronto direto com a estupidez humana em sua forma mais comum e rasteira, que não se limita a Guantánamo. A guerra em Gaza (ou a crise, ou o massacre, como se queira) parece ter sido feita sob encomenda para a emergência de um líder ao mesmo tempo carismático e ponderado. Antes mesmo da posse, mas depois de um intervalo de tempo considerado excessivo, Obama declarou que o papel de seu governo será o de um “ponto de equilíbrio” cuja inserção teria grande influência na solução do conflito.
Embora a paz entre palestinos e israelenses seja cada vez mais uma utopia, principalmente depois da morte de mil e tantos novíssimos mártires, justifica-se a esperança de que a mera posse de um chefe de estado com vestes de líder mundial faça alguma diferença. Até porque, especula-se, a ação militar pode ter sido estrategicamente deflagrada às vésperas desta mesma posse, no vácuo político de uma potência com dois presidentes simbólicos e nenhuma iniciativa.
Diante da desproporção de forças, expressa de modo grotesco pelo número de corpos de lado a lado, da decisão do governo israelense de ir em frente apesar das resoluções da ONU, e da condenação da opinião pública global – sobretudo a européia – mesmo em face da proibição de cobertura jornalística na Faixa de Gaza, a ansiedade geral cresce em paralelo ao sentimento de impotência: o que podemos fazer para estancar esse sangue?
Torcemos para que Barack Obama possa fazer alguma coisa. No rol imenso de expectativas que pairam sobre ele, encontra-se o uso intenso da razão, no tabuleiro pouco razoável da geopolítica mundial depois da rala inteligência de George W. Bush. Além de representar a conquista notável de uma raça estigmatizada pela cor da pele, Obama é o retrato de uma geração que amadureceu na poeira de utopias perdidas e provas repetidas de estupidez. Uma geração que prima pelo encontro de culturas, e não leva fé no choque de civilizações. Se Obama será um retrato fiel dessa geração, ainda vamos ver.
O irracionalismo está no homem-bomba e no míssil guiado a laser. Os fanáticos não se importam com a razão, está certo – e isto reforça o argumento, ao invés de matá-lo. De todas as mudanças que aguardamos, a virada racional é talvez a mais importante. Pois a guerra contra o fanatismo e o terror, ou é uma guerra de iluminação, ou é uma guerra perdida.
*Jornalista e mestre em filosofia.
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