2006 COM TITYUS SERRULATUS
Numa primeira leitura de pessoas não muito afeitas à Biologia, pode parecer que meu reveillon ocorreu na Roma antiga, em uma daquelas festas em que se enchiam piscinas com vinho borbulhante, e onde homens e mulheres se acariciavam nus.
Nada disso.
Passei o reveillon em casa, como, penso eu, deve ter passado a maioria das famílias que compõem a classe média brasileira, escorchada a todo momento com novas taxas, novos juros, novos aumentos: com minha esposa e filhos, assistindo pela Globo o que acontecia pelo mundo na passagem de ano.
Quando nos dirigimos para a copa de minha residência a fim de usufruirmos de uma singela ceia, lá estava ele, abrindo e fechando as pinças dos palpos, o metassoma, vulgo ferrão, assustador, pronto para entrar em ação, disposto a defender seu novo território a todo custo: um Tityus serrulatus, escorpião amarelo claro, com manchas escuras sobre o tronco e na parte inferior do fim da cauda, o quarto anel da cauda com duas fileiras de “dentes” constituindo duas pequenas serras dorsais: feliz Ano Novo.
Num primeiro momento uma certeira sapatada resolveu o problema, levando o intruso a entrar o novo ano dentro de um vidro com álcool — longe de sua ninhada com possivelmente vinte e tantos filhotes órfãos — mas a longo prazo, a coisa se mostrou complicada: em pleno século XXI ainda não existe veneno que acabe com os escorpiões, habitantes da Terra cerca de 200 milhões de anos antes que os dinossauros aparecessem.
Passado o domingo, e feitas todas as buscas e pesquisas, via Internet, sobre a vida dos escorpiões, logo cedo, na segunda-feira, liguei para os órgãos competentes e fui prontamente atendido por uma pessoa — do setor que trata de animais peçonhentos da Prefeitura Municipal — que me forneceu preciosas informações sobre prevenção e garantiu que alguém apareceria no bairro para verificar um bueiro, suspeito de estar hospedando algumas famílias desses artrópodes, escorpionídeos.
Começamos então a buscar formas de espantar os indesejáveis aracnídeos.
A exemplo do nosso Presidente Lula, iniciamos uma particular operação tapa buracos, frestas nas paredes, muros e tetos, jogamos óleo queimado no bueiro da rua, e em todos os ralos da casa — uma sugestão de amigos — reviramos móveis, retiramos roupas de cabides e sapatos do chão, descortinamos a casa, afastamos as camas das paredes. Cheguei a pensar em criar galinhas, sapos, lagartos, louva-a-deuses, corujas, seriemas, macacos e pássaros dentro de casa, mas a idéia não agradou muito à minha esposa.
E outros escorpiões continuaram aparecendo, mais cultos, mais sofisticados, mais traiçoeiros, que não são nem da espécie Tityus Serrulatus, e nem Bahiensis: são escorpiões humanos que encontramos em nossas relações sociais.
E para esses, assim como para os Tityus, ainda não existem venenos que possam exterminá-los.
ANTÔNIO CARLOS TÓRTORO
ancartyor@yahoo.com