Tenerife e Histórias de Mulheres
Tenerife (1), parte do território espanhol, é a maior das ilhas do Arquipélago das Canárias. Além de belezas naturais de tirar o fôlego, e mais de 32 zonas climáticas diferentes, Tenerife possui também uma história muito interessante, a começar por sua formação geológica: o vulcanismo.
Das várias teorias, uma das mais divulgadas especula que, numa era geológica remota, existiu uma montanha primordial, um vulcão com mais de 6.000 m de altura acima do nível do mar. Uma de suas erupções fez com que o topo desabasse, escorrendo em direção ao mar e alargando a ilha. A parte que restou foi se transformando no que hoje é o vulcão El Teide (3.748 m), pico mais alto da Espanha.
Quando os primeiros conquistadores lá chegaram, encontraram os Guanches, povo bravo que resistiu durante um bom tempo à conquista (2). Hoje, quase não resta vestígios deste povo e sua cultura. Qualquer semelhança com a história de nossos ancestrais indígenas é mera coincidência, não?
A origem dos Guanches ainda permanece mistério. Há especulações de que eles descendam de povos muito antigos, habitantes do norte da África. Descobertas recentes sobre estes antigos povos africanos indicam que suas mulheres tinham um papel cultural muito importante, a saber: a transmissão da linhagem familiar.
Como suas (possíveis) ancestrais africanas, as mulheres guanches escolhiam com quem casar-se. Portanto, para tornar-se rei, um homem teria que ser escolhido por uma mulher carregando a linhagem real. Fascinante pensar em como e quando houve a inversão de papéis que hoje vemos em muitas culturas, nas quais a mulher é vista como objeto, ser inferior.
A maioria da população de Tenerife é atualmente composta por imigrantes. Ingleses, alemães, espanhóis, sul-americanos - e brasileiros também, claro! Ouvi falar de um "Carnaval", exportado do Brasil para lá, mas quanto a esta festa nada posso falar, pois nunca vi. Porém, dizem que é coisa muito bonita, maravilhosa... Sei lá, tenho a impressão que deva ser mais uma dessas coisas "só pra turista ver".
Fora a história, e o povo diversificado e acolhedor, há muito mais coisas interessantes em Tenerife. Para vivenciar esta Ilha plenamente, conhecendo um pouco da língua e da cultura local, recomendo afastar-se das rotas turísticas. Ler jornais e assistir noticiários locais são boas dicas, bem como tomar o ônibus e caminhar, não se descuidando da segurança, claro, pois criminalidade é problema mundial.
Mesmo com a globalização, incrível como tudo é diferente. Os programas de rádio e TV, os comerciais, os anúncios na rua, a comida, o ritmo de vida do povo, tudo! Um exemplo disso observei nas campanhas publicitárias das Lojas Saturn. Na Alemanha seria "Um lugar para se comprar barato"; Na Espanha é "O nome da tentação".
Outra coisa que me chamou a atenção foi a ausência, nos pontos turísticos, de livrarias oferecendo literatura em espanhol. Livros em inglês e alemão – a maioria ficção – desses vi muitos. Para quem busca literatura típica, uma boa idéia é incluir a cidade universitária La Laguna no roteiro.
Para mim, comprar um livro em uma livraria real é uma experiência totalmente diferente da compra pela Internet. Gosto de ficar andando entre as prateleiras, pegando livros ao acaso e buscando informações que me permitam decidir rapidamente se vale a pena lê-los ou não. Eu nem sinto o tempo passar. Em uma boa livraria sou como uma criança pobre em uma loja de brinquedos... Ah se eu tivesse dinheiro suficiente para comprar todos os livros que quisesse... O que segue é sempre uma difícil escolha: quais livros, dentre tantos desejados e que cabem no orçamento, devo então levar para casa?
Um dos felizardos foi o Historias de Mujeres de Rosa Montero (3). Trata-se de uma coletânea de pequenas biografias de mulheres que Montero publicou em uma coluna no jornal El Pais. A leitura foi tão envolvente que devorei o livro em poucas horas, além do mais eu estava em férias... merecidíssimas por sinal!
Algumas das histórias de Montero me lembraram o quão difícil e maravilhoso é ser mulher. Uma história que me chamou muito a atenção foi a de Mary Wollstonecraft, mãe da escritora Mary Shelley, a autora de Frankenstein – livro que, coincidentemente, lera dias antes. A vida é cheia de coincidências, não? Há quem diga que não existem coincidências, que tudo é questão de atração etc. Bom, mas esse é um outro balaio de gatos que não cabe aqui. Voltando a Mary: vida sofrida e incompreendida a dessa mulher, nossa! Eu não sabia que ela havia contribuído tanto para o desenvolvimento das idéias feministas, mesmo que indiretamente (5).
Saboreei por um bom tempo as histórias do livro de Montero. Elas mostram que, como Wollstonecraft, há muitas outras mulheres que, independente de terem sido boas ou más, foram sendo caladas, difamadas e, no final, punidas com o castigo cruel do esquecimento, como nossa valente Chiquinha Gonzaga (4).
Parafraseando Montero: Mulheres, famosas ou não, necessitam ser ouvidas. É justamente nas entrelinhas de suas histórias, pouco valorizadas, que se escondem muitas chaves para clarear aspectos ainda nebulosos da história da humanidade.
Pois é, homens e mulheres, não devemos ter medo nem vergonha de contar nossas histórias, ainda mais neste mundo dominado pelo individualismo. Há, sim, muita gente esperando por uma história que lhes dê uma direção, um alento, ou que lhes sirva de inspiração para uma mudança qualquer.
Para saber mais, consulte:
(1) Teneriffa. Baedeker Allianz Reiseführer. www.baedecker.de
(2) Los Aborígenes y La Prehistoria de Canárias. Alfredo Mederos Martín y Gabriel Escribano Cobo. Centro de La Cultura Popular Canária, 2002.
(3) História de Mujeres. Rosa Montero. Punto de Lectura, 2003.
(4) Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Edinha Diniz . Ed. Rosa dos Tempos, 1999. www.chiquinhagonzaga.com/
(5) A Vindication of the Rights of Woman. en.wikipedia.org/wiki/A_Vindication_of_the_Rights_of_Woman
Nota da autora:
Referências foram dadas como ponto de partida àqueles que desejarem mais informações. Não me responsabilizo pelo conteúdo dos links apontados.