Em louvor a Velha Escola
Segunda feira é o meu dia de ler Veja. É quando minha revista é entregue, o que me faz pensar que o único privilégio de assiná-la é o preço que é mais barato do que na banca. Dedico uma hora do meu tempo para fazer isso e às vezes até menos porque tem semana que não dá vontade de ler nada. Mas gostei do que li hoje tanto que até estou falando no assunto, sinal de que pensei nele durante o dia.
Tudo o que Claudio de Moura Castro escreve sobre educação é pertinente. Também é fácil de ler, portanto qualquer professor pode ler e entender. Deveria ser leitura obrigatória para que os educadores e os administradores da educação lessem, refletissem e discutissem. E mais uma vez refletissem antes de tomar qualquer decisão.
Esta semana ele escreve sobre as classes multisseriadas. Como ele bem explica: classes onde os alunos estudavam na mesma sala embora estivessem em séries diferentes. Geralmente a escola tinha uma sala só, um professor só. E o que ele faz é o elogio dessas classes. O que me deixou muito orgulhosa porque eu estudei em uma classe assim.
Foi lá em Arantina onde nasci e vivi meus primeiros anos cercada de morros com várias gradações de verde e muita liberdade para sonhar. Nem cidade era ainda quando saí de lá para o colégio interno, primeiro em Andrelândia e depois em São João Del Rei. Durante três anos eu freqüentei a escola de D. Zara. Nossa escola não tinha o quarto ano primário, se me lembro bem, porque D. Zara nem tinha habilitação para ser professora. Apesar disso, quando saí de lá, sem freqüentar o quarto ano, fui para Andrelândia fazer as provas e simplesmente passei igual ou melhor que muita gente que havia freqüentado o quarto ano por inteiro. E não era só eu: todos que saiam da escola de Dona Zara entravam direto no primeiro ano ginasial. Embora fossem poucos porque no vilarejo onde eu vivia estudar era um luxo.
Mas não é sobre mim que quero escrever. É sobre o artigo de Claudio e a defesa que faz das classes multisseriadas. Em seu artigo Claudio revela que eu estive em boa companhia: conversando com Thorsten Husen, considerado o decano dos educadores europeus, este lhe contou que freqüentou uma escola multisseriada na zona Rural da Suécia e que não se sentiu de forma alguma prejudicado por haver freqüentado essa escola.Nem eu. E se muito não fui, fui secretária de Educação na cidade que escolheram para que eu vivesse.
Moura Castro revela que ainda hoje todos os países europeus adotam esse tipo de escola e também os EUA e o Canadá. Revela também que elas voltaram a se expandir nas duas últimas décadas. Mas o que é melhor, o resultado que conseguem é o mesmo e muitas vezes até melhor do que nas escolas regulares. O que infelizmente não ocorre no Brasil. E aí vemos municípios brasileiros em busca de uma melhor qualificação para suas escolas eliminarem as classes multisseriadas. Geralmente transportam os alunos para as cidades a um custo muito alto – os ônibus. Estes não só custam caro como cara é sua manutenção, dobrando o custo por aluno. E ele completa: países ricos fazem economia com uma educação multisseriada de qualidade enquanto nós, e outros países pobres, trazemos os nossos alunos de ônibus para a cidade.
Quando fui Secretaria de Educação há alguns anos atrás, na primeira gestão da atual prefeita, que foi novamente reeleita agora, para exercer o seu, terceiro mandato, a situação era muito séria. Nós só tínhamos escolas na zona rural e bastante precárias. Eram multisseriadas, mas muito mal cuidadas. Posso garantir que o sucesso que obtinham era devido ao esforço de professores dedicados embora não tivessem nenhum apoio. Descobri que no dia do pagamento eles não iam trabalhar: fechavam as escolas e vinham ou ficavam na cidade para receberem seus salários. Montamos então um programa de treinamento para esses dias, com as mais experientes treinando as menos e fomos levando a vida acho até que de maneira satisfatória. Nessa época vinham para a cidade apenas os alunos dos cursos subseqüentes, financiados pela Prefeitura. Não tínhamos escolas públicas municipais então na cidade, começamos a implantá-las, exigência do Governo Estadual e colocamos o CAIC para funcionar,escola que se tornou referência nacional no gênero. Na gestão seguinte, a Secretária da Educação foi minha amiga Zenita Guenter, educadora de renome internacional, inclusive muito respeitada pelo articulista de Veja. Ela deu continuidade à municipalização das escolas estaduais e acabou com as classes multisseriadas na Zona Rural implantando escolas convencionais em quase toda ela. Sem dúvida nenhuma foi um avanço muito grande. Mas o que Claudio Moura e Castro argumenta e eu concordo com ele não é que se troque uma escola convencional por uma multisseriada onde existe número suficiente de alunos para frrequentá´la: é que, nas regiões de pouca densidade populacional, onde é impossível arregimentar alunos para uma escola com várias séries, que se dê condições materiais, técnicas e pedagógicas para que a escola multisseriada possa funcionar em pé de igualdade com as outras escolas. Ele cita como exemplo de países onde a escola multisseriada funciona bem o Canadá, país de grande extensão e inúmeras áreas desabitadas como o nosso, onde 16% dos alunos freqüentam essas classes. Faz menção ainda a Escola Nueva, programa na zona rural colombiana que deu tão certo que foi importado para as zonas urbanas. Bem, ele conclui de forma muito positiva e esperançosa: Já existem réplicas funcionando no Norte e Nordeste de nosso país e muito bem.
E eu concluo que andam inventando demais para a educação dar certo em nosso país quando não é preciso tanto. Façamos com que nossos professores aprendam a pensar para que os alunos possam aprender com eles. A partir daí se o básico for colocado de forma clara e objetiva para o educando, o resto ele resolve sozinho. E o básico é tão pouco... Se eu consegui aprender com uma professora que nem era formada, mas que tinha a alma de educadora todos podem aprender também.