O Sistema
“O sistema”
Jailton Silva
Resumo
Fazemos parte de um sistema histórico educativo, montado para separar e dominar. Pessoa alguma é capaz de desenvolver inconscientemente sua própria forma de ver e, enquanto se mantiver fechado para outras perspectivas, estará sempre reproduzindo o pensar do seu grupo social, que por melhor que seja a sua posição na pirâmide, ainda estará a serviço da reprodução de culturas, continuará aldeia, escravizado e limitado por um círculo vicioso, mas se achando livre e original.
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O sistema é perverso, excludente e privilegia, mas todos estão sob a sua égide.
Compreendemos como sistema, algo complexo, às vezes, seu entendimento só se dá com auxílio técnico, mas nem sempre, já que, também pode apresentar-se como um costume, uma cultura, mas normalmente até seus decifradores usam frases como, é o sistema, denotando algo inexplicável.
É comum no nosso dia a dia encontrarmos situações geradas diretamente pela forma de pensar ou agir de outras pessoas, às quais, não as entendemos no primeiro olhar. Por vezes, lutas são empreendidas entre estruturas filosóficas que atuam na sociedade, e desconhecendo sua origem, culpamos o último a praticar, como se o todo se encerrasse naquele indivíduo.
Falamos de preconceitos raciais, estruturais e individuais, homofobia, violência entre os gêneros, mas elegemos um lado e achamos que é a verdade pura e única, sequer paramos para questionar por que pensamos assim, de onde veio tal ideia, porém, nos achamos originais.
A formação humana é semelhante a uma polifonia, e a sociedade é sempre anterior a ele. Por isso, os humanos, naturalmente sem originalidade, reproduzem fazeres que não são seus, e os absorvem no processo educacional, forçados por seus limitados mundos. Entretanto, quando atentos ao processo e dispostos a romper barreiras, são capazes de mudar perspectivas, e as consequências disso, podem durar gerações, mas falta de vontade não define tudo.
O processo de evolução e socialização do humano criou regras para uma boa convivência, mas essa criação, certamente, a exemplo do hoje, não trouxe a assinatura de todos, mas o apoio daqueles que tinham algo a perder. Então são regras ditas para boa interação humana, todavia, sujeitas ao círculo de poder, e todos, dentro ou fora dele, estarão subordinados.
Há sempre uma cúpula decidindo o destino de milhões. Compram opiniões, impõem culturas, a exemplo do chamado pão e circo romano na antiguidade, pelo qual, prendia-se a atenção popular com a barbárie no coliseu, também a caçada às mulheres aclamadas bruxas da idade média, a qual, qualquer um pudesse ser vítima, mas era tida como evento público, despertador de delatores apaixonados pela causa.
Não podemos deixar de fora o costume trazido, até próximo dos nossos dias, o qual, concordava com a escravização de pessoas pretas, porquanto, sem querer assentir a tal forma de tratamento humano, lembramos que sempre houve aqui e ali a presença de pessoas escravizadas, outrossim, não existia a tal revolução industrial e, posteriormente, a famigerada globalização, formas diferentes de escravizar, essas não usam correntes.
As épocas ditam normas, reproduzem pensamentos e promovem agressões, agressores e agredidos, e não necessariamente nessa ordem, mas poucos são conscientes de seus atos, porém, se interpelados pela ação, ainda a justifica conforme o passado, mas sempre em harmonia com a ideia do poder instalado.
Entre tantos fatores de desigualdades, elege-se a aparência física, sinônimo de diferenças que podem ser provocadas pela própria geografia, mas também por longa jornada de miséria, imposta aos corpos, assim como acontece na natureza, uma adaptação forçada. Dito isto, temos o exemplo do povo do norte e nordeste brasileiro, o qual, ainda traz características físicas como marcas da inexistente distribuição de renda que prevalecia, em um passado próximo.
Desconhecemos o motivo pelo qual alguém pode desvalorizar ou não uma pessoa, tendo por motivo sua cor ou raça. Aqui faremos um adendo, visto que, alguns são discriminados pela raça, e outros pela cor, mas o que justifica a discriminação entre brasileiros e/ou brancos e pretos, ou até entres os da mesma etnia? Parece não haver motivação. Hoje, é possível identificarmos segregação por todos os motivos, e mais ainda, quando a causa do preconceito é gerada pela própria falta de políticas públicas eficazes, porém, discute-se com fervor apenas aquilo que só poderá ser vencido com mudanças individuais do cognitivo e suas estruturas. A exemplo disso, podemos observar a quantidade de leis que visam doutrinar a questão do racismo e outras…, e que, parecem funcionar mais como um elemento provocador, desagregando e alimentando o antagonismo.
Somos discriminados por morar em bairro periférico, também por não ter moradia, por ter baixa estatura, por ser desse ou daquele estado brasileiro, e para isso não há lei específica. Mas tudo isso é novo e não temos tempo para mais essa faceta, já que a discriminação por aparência toma todos os espaços.
Não há discriminação por ser africano, mas por ser preto, pois raça tem a ver com genética, não a identificamos a olhos nus. Diante disso, aprendemos, enquanto sociedade, que preto é sinônimo de vagabundagem, de perigo, e mais alguns adjetivos, e isso serve para todos de tonalidade de pele escura, mesmo um mestiço que não tenha nada a ver com os ditos negros.
O sistema impede que nos atentemos à origem e a quem favoreceu essa imagem, inclusive a falsa ideia de que o sistema apoia a luta dessa categoria. Isso também serve para a maneira como tratamos os homoafetivos, em geral, desconhecemos o que os diferencia dos héteros, e esse desconhecimento dá espaço para uma ideia excludente e hegemônica, elevando-os a categoria de anormais, para uns, e doentes por outros. Mas o sistema de segregação vai além, e incluem outras tantas situações que deveriam ser encaradas apenas como diferenças.
Já que citamos os negros e homoafetivos, podemos também ver como o sistema reinante na Europa, influenciou o olhar dos representantes do rei, da igreja e a toda a tripulação que ocupava os barcos do invasor Pedro Álvares Cabral, ao se depararem com os nativos, sua sociedade e suas culturas, incluindo o fato de viverem nus. Facilmente entendemos o espanto, pois, sequer tinham predileção por banho, e logo, movidos por sua cultura, condenaram e taxaram o diferente, achando-se capazes de salvá-los. Estavam a serviço do rei, mas será que alguém dentre eles tinha noção do que realmente estavam fazendo?
Esse vocábulo, cito, o tal sistema, personifica o que não vemos, todavia, pode ser expresso em uma ação, numa fala, seja ela despretensiosa ou ativa, e até de forma subliminar, porém, montado por meios eficazes e básicos à constituição da sociedade. O referido termo, enquanto atuante e manipulador, certamente não pode ser visto, mas sentido e pensado, tal qual a mão invisível de Adam Smith, ou as forças ocultas que levaram o presidente Getúlio Vargas ao suicídio.
O presidente Getúlio (1882-1954), disse em sua carta, conforme página online da Assembleia Legislativa de São Paulo: “[...] A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário-mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas, através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. [...]”. Getúlio Dornelles Vargas. https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=264453 (acesso 20/07/2024)
O economista Smith, acreditava em um crescimento positivo que poderia guiar a economia de forma equilibrada e humanitária, por si só, sem a interferência governamental. Utopias a parte, a sociedade já experimentou ambas as posições, todavia, testemunhamos sempre a coerção como elemento prevalente e sempre falando em liberdade. Porquanto matamos pela vida e guerreamos pela paz.
Mesmo em uma organização social onde prevaleça a anomia, ainda assim, sempre haverá o antagonismo entre os privilegiados e aqueles apontados como provocadores da situação. Existe um perceptível ordenamento hierárquico mantido por “forças ocultas” em todas as instâncias.
O maior defensor dos oprimidos, Jesus Cristo, em seus ensinamentos não se baseava em questões puramente espirituais, mas a organização das sociedades também o incomodava, às quais, concediam bônus para uns, e ônus para a maioria, dizia ele que os líderes religiosos daquela época, atavam fardos pesados para os ombros dos homens, mas nem com um dedo ousavam movê-los. (Matheus 23: 4-5 bíblia sagrada).
As regras vigentes do tempo de Cristo, assim como na contemporaneidade, eram aceitas e repassadas de pai para filho, sem questionamentos, e aquele que falou contra, foi taxado de contraventor, entretanto, seu nome, não os seus ensinamentos, é fervorosamente usado, a cada tempo com mais vigor, para segregar. As normas na antiguidade e no presente, fazem parte da tentativa de melhor relacionamento entre humanos, criaram códigos de conduta, os quais, são aplicados consciente ou inconsciente, mas claramente alimentado e alimentando o sistema.
A questão mais preocupante na reprodução dos costumes é quem cria, o que influencia as regras vigentes, todavia, facilmente, podemos encontrar alguém que, mesmo veladamente, gostaria de anular algumas delas, visto que continuam favorecendo e vitimizando a ambos os lados.
O negro foi escravizado mundo afora, mas sofrer ou praticar é inaceitável aos olhos contemporâneos, entretanto, conforme suas próprias histórias, sua sociedade também aceitava entre eles, reis e rainhas, então, também existiram ou existe, lá em seus países de origem, um sistema segregante, permitindo a alguns e https://www.pensador.com/frase/NTc2MjA2/ proibindo a outros.
Não nos referimos neste momento à aquisição de direitos, mas da hierarquia da opressão, do desrespeito pelo outro, das coisas que não conseguimos apenas escrevendo em um pedaço de papel, mas que precisam ser introduzidas em todas as discussões, no trabalho, nas rodas de familiares e principalmente no antro de maior reprodução de desigualdades, a escola.
A paz é construída ou declarada pelos mesmos que deflagram as guerras, porém durante o conflito, quem padece desconhece os motivos da luta.
Na história humana, sempre houve grandes pensadores, mas também opositores a eles, e esses últimos, isentando-se de responsabilidades, ficam em silêncio, até que alguém ouse publicar uma ideia. Como dizem, são mestres de obra pronta, ficam a espreita e com eloquência e fervor, brilham e gozam ao demonstrar falhas, e sobre elas, expõem suas visões, esquecendo-se da base utilizada, como se sobre aquela prevalecesse a ausência de valor, e assim, em todas as escalas sociais, facilmente se percebe a perpetuação das divergências, negativamente, já que as pessoas dificilmente explicam porque são contra ou a favor, enquanto o natural esperado, é que haja entre pensantes, incongruências, mas também a valorização das formas de expressão.
Os motivos das ditas guerras armadas, são sempre por coisas palpáveis, entretanto, o que torna a vida dos indivíduos insalubre e atraente às patologias são os acontecimentos do dia-a-dia.
Às leis não protegem contra estigmas e, se sugeridas em momentos de busca por notoriedade, podem provocar um rompimento entre o processo e o objetivo, sendo assim, cria campos antagônicos e insatisfação geral, mas, o que seria de todos sem elas.
Para manter-se, essa entidade invisível, o tal sistema, sugere discrepâncias, espécies de lacunas, códigos implícitos, que se transformam paulatinamente, geração após geração, em cultura e aculturação, como se fosse algo para provocar, permitindo que um pequeno número se rebele, como que por ação divina, e se torne mártir, e uma vez morto, alimente o sonho da liberdade igualitária, perfeitamente pensada em seu cognitivo, mas inviável quando externada.
Suscitados e alimentados pelas ideias dos mártires, surgem os grandes pensadores, em todas as categorias sociais e em todos os tempos, porém, ávidos por serem vistos, notados por suas ideias, galgam títulos, tapinhas nas costas, bustos, seus nomes denominam ruas, mas nada mudou, apenas o já esperado pelo próprio “sistema”, mantendo a todos dentro de parâmetros, mas intencionalmente, incentivando sonhos além-mar, ou fora do seu próprio potencial, ora encurtado propositadamente pela situação. Despontam líderes políticos que chegam a abalar as estruturas sociais, mas suas forças foram geradas na necessidade, e essa, os tornam vencedores deficientes, imaginados anteriormente pelo dominador.
O aleijado, crente em sua força, põe-se a trabalhar sem perceber, ou já percebendo, pela manutenção das coisas como são, às vezes se reconhece imediatamente como criador de regras, julgando-se melhor que os outros, e imune, torna-se peça no jogo, mas não vê e faz apenas o permitido. É um peão, pronto para o sacrifício, pois o outro lado do tabuleiro é para peças hierarquicamente maiores.
Podemos usar a educação pública como forma de exemplificar nossa discussão, pois a totalidade do ensino básico é para todos, mas nem todos passarão por ele. E, semelhante a um “x”, vemos os pobres no ensino básico público, e os ricos no ensino básico privado, invertendo essa situação no ensino superior, onde o rico vai à faculdade pública e o pobre precisa de novos mecanismos governamentais, ou terá que pagar faculdades privadas. Porém, o processo é aberto a todos. Isso é o que chamamos de sistema, legalizado, punitivo e desleal.
“Sentimos que, mesmo após serem respondidas todas as questões científicas possíveis, os problemas da vida permanecem completamente intactos” Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (https://www.pensador.com/autor/ludwig_wittgenstein/)
Os vencidos pela vida são recriminados, pois são acusados de serem, eles próprios, culpados de seu atual estado, e o são, devido a só se interessarem por coisas que estão dentro dos seus pequenos mundos. Mas, são educados a isso, incentivados a lutarem apenas pelas migalhas disponibilizadas pela situação.
O saudoso professor Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da autonomia, pág. 80, diz: “(...) É importante ter sempre claro que faz parte do poder ideológico dominante a inculcação nos dominados da responsabilidade por sua situação. (...)”
A ausência dos interessados nas discussões facilita a decisão à revelia, mesmo que ela tenha ocorrido por força da força situacional, então entendemos por que a desinformação é tão relevante para a manutenção do sistema. Porquanto, fica clara a relevância de disseminação de notícias falsas ou incompletas pelos donos do poder, tanto da situação, como da oposição, são as denominadas fake news.
Quem quebra o círculo vicioso e consegue penetrar no mundo da manipulação e doutrinador, vai se deparar com um universo com regras próprias e um pensar longe do inclusivo, mas voltado à manutenção do poder. Induzido, agora se propõe a levantar questões relevantes para a vida como racismo, igualdade de gênero, homo afetividade, violência familiar e outros, entra na luta por encontrar culpados, ignorando as origens desses males, aspira por prisões, e novamente, é incluído em um novo círculo vicioso, promovendo mais um meio de desvio de verbas, muitos gastos na promoção de cursos, títulos e prêmios, todos voltados a identificar o mal na sua prática secundária, sem levar em consideração que um violento, antes foi violentado, e acima de tudo, são as ações de governo as maiores violentadoras.
Dizemos que somos frutos do meio, mas para atuar, autuamos o último, e ignoramos o meio. Por vezes, questiona-se até a culpa do violentado. Sem receios, usamos aqui a terceira pessoa do plural, visto que, disso, somos todos vítimas, preenchidos que estamos com o pensar do sistema, buscamos culpados, sem nos ver peça moldadas e moldantes a serviço da opressão.
O poder forja vitórias com aprovação de leis, quando só um grupo concorda com elas, mas o sistema tem pressa e já propõe novas discussões, e assim, viagens intermináveis são empreendidas, buscando tudo, mas propositadamente encontram obscuridade, à sombra de leis ineficazes.
Vive-se o encontro e convívio de algumas gerações, todas com as marcas da vontade do sistema, o qual, continua sendo aquele que justifica e pune, tudo conforme sua vontade, mas exime-se da culpa, cria entre elas opressores e oprimidos. A exemplo da contemporânea, socióloga e vereadora Marielle Franco (1979 - 2018), a qual o sistema deu asas, mas também a silenciou, quando atingiu o limite permitido. Entretanto, ela não foi a única. https://pt.wikipedia.org/wiki/Marielle_Franco#/media/Ficheiro:Marielle_Franco.jpg
Alguém criou uma frase, hoje em domínio popular, que diz: “Quando encontramos as respostas, mudam as perguntas”. E como cão, ficamos nós, correndo atrás do próprio rabo.
A contradição é tamanha, tanto que as pessoas isentas de necessidades, por ideologia, são vistas como uma espécie de extraterrestres, e aos insatisfeitos chamam de cidadãos, seus atos cidadania, e com isso gera expectativa, ansiedade e todas as patologias oriundas desse estado.
A prática do combate a situação é fingidamente taxada de subversiva, mas para sua manutenção, alimentam um fato antigo que já não faz sentido, a tal direita e esquerda. Hoje, direitistas e esquerdistas podem estar vivendo em situações abastadas, ou não, e fazendo parte do mesmo sistema, mas ideologicamente separados e inimigos pela educação, e só às vezes, por poder econômico. Usam as necessidades da massa para se perpetuarem no poder, mas, ao povo, sujeito que os leva a tal ponto, oferecem apenas atenuantes.
Fazemos parte de um sistema histórico educativo, montado para separar e dominar. Pessoa alguma é capaz de desenvolver inconscientemente sua própria forma de ver, e enquanto não se abrir para outras perspectivas, estará sempre reproduzindo o pensar do seu grupo social, que por melhor que seja a sua posição na pirâmide, ainda estará a serviço da reprodução de costumes, mantendo ideologias, antes movidas por sentimentos, hoje, estrategias de poder. Sempre antagonizando, mas, com olhar encurtado pelo querer da dominação. Incapaz de ver todo o cenário, se deixa conduzir atropelando a tudo, sem respeitar o outro que também é vítima da mesma força que o subjuga. Passa despercebido que a diferença está apenas na educação absorvida, situação ou oposição, mas que continuam subalternos da proposição capaz de incutir ideias, e criar situações onde o melhor é esperar que a vida corra, e que seu final não se demore.
Vivemos e criamos sistemas escravizadores a todo momento, sempre sob a pseudo certeza de que somos libertos, salvos, politizados e inteligentes, sem falar na existência em nossas crenças em um DEUS, também pessoal, que julgamos abençoar nossas verdades.
O sistema são as ações e pensamentos postos em prática, mas impregnados de saberes e ideias alheias, tal qual, a forma pensada pelo sociólogo Émile Durkheim, quando afirmava que a sociedade é anterior ao indivíduo e que, o fato social é o agente que impõe regras a ele, doutrinando-o. Mas também evoluímos e regredimos, conforme a ação social apresentada por Max Weber, na qual podemos ser agentes, formandos e formadores, simultaneamente, conforme nossas atitudes.
Não estamos isentos de culpa, todos somos reprodutores (as) de sofrimentos, pois vivemos fielmente o dito popular que diz, “em tempo de farinha pouca, meu pirão primeiro”. A moral do sistema será a correta, sempre que o “contraventor” for o outro, então vêm à baila afirmações que culpabilizam o desempregado pelo desemprego, o homem em geral pela violência, o jovem pelo desinteresse na escola, o servidor público por ações desnecessárias…
O sistema é perfeito, distante da perfeição estão as nossas ideias, já que, desde quando nascemos, aprendemos a conviver com o não, e a aceitar às opiniões anteriormente manipuladas, mas a nós pregadas como verdades imutáveis. Aprendemos que o nosso umbigo é o centro do mundo, então o outro será sempre nosso adversário.
Essa força mantenedora das desigualdades nos mostra necessidades ainda não percebidas por nós mesmos, e nos aponta na direção dos que tem mais, todavia, nos dá ferramentas para guerrear apenas contra o nosso próximo, porquanto facilita embate entre professores e alunos, entre pais e professores, filhos e pais e entre correligionários, e pronto, está instalado o caos, ambiente para a imposição de leis e escolhas de culpados, mas totalmente manipulado pelo sistema, fomentador e juiz.
Como podemos imaginar uma sociedade de empregados, se é o desemprego que mantém o equilíbrio, entretanto, os governos para se protegerem, passam a ideia de que sobram empregos e a população não está qualificada. O que isso tem a ver com a tal abolição da escravatura, em 1888, época em que, mesmo com negros, agora livres para irem trabalhar onde quisessem, os produtores rurais, ainda assim, preferiram incentivar a mão de obra estrangeira. O problema estava/está na mão de obra disponível, ou na cultura da opressão representada pelo sentimento de perda?
Vale ressaltar que, em pouco tempo, segundo Jefferson Evandro Machado Ramos, Graduado em História pela Universidade de São Paulo - USP (1994), no início do século XX, aqueles mesmos estrangeiros que, involuntariamente, serviram à segregação racial, já estavam reclamando de péssimas condições de trabalho e ausência de moradias. Imigração Italiana no Brasil: resumo histórico e causas - Sua Pesquisa
Todos sabem que a luta é pelo controle, mas no processo, a balança tende a ser favorável aos abastados, todavia, se o momento for de perdas, então, clama-se pela lei que em sua eterna sabedoria indicará que somos todos iguais, e acertadamente o ônus será dividido, todavia, quando possuímos muito e entramos em fase ruim as perdas é para se adequar ao momento, e se nada temos? Sabemos que nessa corrida o pódio não tem lugar para todos, então, cria-se dificuldades para quem já tem mobilidade reduzida. Impõem igualdade, quando a equidade deveria ser a palavra-chave, do mesmo modo, em nome de direitos, estigmatiza-se, e em uma falsa distribuição igualitária se mantém a estrutura. E assim vive o famigerado sistema.
Reconhecer diferenças, entender que ninguém é culpado, mas reprodutor. Reconhecer os momentos em que todos podem ser vítimas, mas também opressores, defendendo ou impondo seus valores, e acima de tudo, compreender o quanto somos manipulados, nos dará a possibilidade de sermos uteis ao mundo, colaborando com a união e vivendo melhor. Entretanto, precisamos estar atentos a questões que se apresentam a nós como que favoráveis, já que o sistema costuma pregar peças e no final, virar o jogo a seu favor.
A exemplo da competência do sistema em dominar, temos a demanda referente ao menor no trabalho, a qual, com a inserção do Brasil no mundo capitalista pela revolução industrial, motivou a entrada de toda a família no mundo do trabalho, envolvendo pais e filhos, para depois, criar leis que as penaliza, caso permita ou incentive o trabalho infantil, então, criam o programa menor aprendiz, onde o menor trabalhará meio período, mas, não terá salário, e sim ajuda de custo. Salientamos que não é obrigação do patrão efetivá-lo.
Diante da justificativa de que é direito da criança brincar e estudar, por qual motivo a sociedade abre a exceção? Se um menor estuda pela manhã e trabalha a tarde, ou o contrário, mesmo sob contrato em regime especial, em que momento ele vai fazer as lições e pesquisas necessárias para seus bons resultados em sua vida educacional? Ou, se prezam tanto pelo bom desenvolvimento social, físico e emocional dos jovens, coisa indubitavelmente importante, por que o projeto menor aprendiz é visto como avanço?
Tal qual ação apresentada, temos a questão do apelo aos pais a irem às reuniões escolares de seus filhos, porém essas, em escolas públicas, dificilmente acontecem em finais de semana, ocorrem sempre em dias uteis, e, supondo que os pais precisem trabalhar para manter suas casas, fica implícito que necessitam de uma declaração para não serem punidos em seus empregos, porém, a mesma vontade que busca obrigar os responsáveis a participarem da vida escolar dos filhos, não se faz representar na sua defesa diante dos patrões, ficando facultado a esses, a aceitação da justificativa. Isso acontece em todas as instâncias, até em empresas públicas. Diante disso, é ou não interessante a interação escola/responsáveis?
Aproveitamos o ensejo para levar em consideração que, muitas vezes, os estudantes do ensino básico público, só fazem alguma atividade nas dependências da escola, visto que o sistema exige dos professores muitos relatórios e reuniões, obrigando-os naturalmente a se aterem apenas as apostilas, que o próprio sistema governamental dispõe. Assim, se não há o que fazer, o que seria dos jovens se não fosse o projeto jovem aprendiz? Mas, aparentemente, essa oportunidade é só para alguns.
Conforme página do Ministério do trabalho, Gov.br:
(https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Maio/brasil-atinge-marca-historica-de-602-671-jovens-aprendizes-contratados-em-marco-de-2024#:~:text=Brasil%20atinge%20marca%20hist%C3%B3rica%20de%20602.671%20jovens%20aprendizes%20contratados%20em%20mar%C3%A7o%20de%202024,-Resultado%20faz%20parte acesso 31/07/2024) no ano de 2024, o Brasil alcançou o número de 602.671 jovens no programa Jovem Aprendiz, contra a elegante taxa de matriculados no ensino médio em 2023, segundo Censo Escolar 2023, publicado pelo canal futura “Na última quinta-feira (22/02), o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgaram os resultados da primeira etapa do Censo Escolar da Educação Básica 2023. Os dados da pesquisa apresentam informações sobre escolas, professores, gestores e estudantes da educação básica do país. (...) Em 2023, 7,7 milhões de matrículas foram feitas no ensino médio (84,8% delas no turno diurno, 15,2% no noturno), que correspondeu a uma queda de 2,4%, em relação ao ano anterior.
https://futura.frm.org.br/conteudo/educacao-basica/noticia/censo-escolar-2023-como-esta-educacao-basica-do-brasil
O programa está aí, mas é de domínio público que não basta ser aluno matriculado nos anos finais da educação básica gratuita, para ter o direito ao benefício do programa, há um processo seletivo. Então pode-se notar a mão invisível selecionando, segregando.
O sistema dá com uma mão e tira com a outra. Ele apresenta modelos de vida boa, mas o distancia do alcance da maioria dos indivíduos. Ele não promete, ele diz que é seu, você não o toma se não quiser, porém, mina todos os caminhos com detalhes imperceptíveis, mas tão eficazes como a corrida dos espermatozoides para fecundar o óvulo, são milhões, mas apenas um vai ser vitorioso.
Não podemos nos deixar levar pela falsa concepção de que somos rivais uns dos outros, não, há algo maior nos fazendo ver o mundo assim. Precisamos ver as cordas invisíveis dos costumes a muito implantados e que, em um processo de aculturação, nos fez e faz ser como quiserem, e para romper com tudo isso, se faz necessário uma reação no psiquê, todavia, igualmente, ainda precisaremos impor um discurso, aculturar o amor pelo próximo, renovar a moda de amar os outros. Então, em nome de uma liberdade, manipularemos, seremos manipulados e….
Caro leitor, agora é com você, continue a discussão, o mundo aguarda novas formas de ver e viver entre aqueles da mesma especie, “os humanos”.