A palavra certa
Nesta segunda divagação em forma de texto, tento refletir sobre o sequestro da Língua Portuguesa e de outras expressões "importadas" por gente mentirosa e dissimulada. Faço coro com a jornalista Cristina Serra. Ex-repórter da Rede Globo, atualmente colunista da Folha de São Paulo, Cristina levantou esta bandeira diante das distorções de sentido e de força das palavras.
Definitivamente um fenômeno mundial do marketing não restrito ao idioma de Camões. Trabalhadores não são trabalhadores, são colaboradores. Assalariado não é classe trabalhadora, é classe média. Verdade versus mentira se transformou em "construção de narrativas". Caso semelhante são as "fake news". Se é fake, não são news porque notícias falsas não existem. O que existe é a MENTIRA.
Outro exemplo menos óbvio vem da reforma da educação realizada no primeiro governo do ex-presidente Lula. Nesta reforma, o último ano da pré-escola foi integrado ao então denominado 1º grau e criou-se o Ensino Fundamental. A fase pré-escolar terminava na Classe de Alfabetização (CA) e era comum o aluno fazer uma prova de nivelamento para saber se tinha condições de ingressar na então 1ª série do 1° grau, cujo ciclo terminava na oitava. Com a integração, os alunos estudam do 1º ao 9º ano e, mesmo mantendo características pedagógicas semelhantes, a extinção "do CA", a meu ver, reduziu a obrigatoriedade da alfabetização numa fase específica da vida escolar. Quanto mais atrasada a alfabetização, mais difícil a assimilação do conhecimento.
Para terminar, divido uma experiência pessoal na qual o sentido correto das palavras fez toda a diferença. Fui trabalhador assalariado durante quatro anos em um restaurante de culinária oriental. Ao sair, celebrei aquele acordo clássico onde o trabalhador garante parte dos seus direitos ao abrir mão dos 40% de multa do FGTS. Este benefício nunca deixa de ser recolhido, mas o contratante (eufemismo de patrão) desconta o valor correspondente do montante pago no ato da rescisão do contrato de trabalho. Em seguida, alguns ex-colegas me pediram orientação sobre como solicitar o desligamento da empresa (eufemismo para demissão) da forma que fiz. A única orientação dada foi usar as palavras certas na conversa com o patrão: "Se quiser fazer acordo, jamais peça demissão. Diga simplesmente 'quero fazer um acordo'".
No nosso contemporâneo pandêmico o valor da vida é reduzido dia-a-dia. O sequestro do sentido e da força das palavras são estratégias fundamentais na idiotização e na precarização das classes trabalhadoras. É tirar proveito e direitos dos mais vulneráveis. Falando claramente: é arrancar dinheiro dos pobres.