*Mulher da vida fácil

Mulher de vida fácil

Lena Lustosa está aparecendo em meus escritos com a mesma ou maior

intensidade que a Rosinha de Propriá nas músicas do Luiz Gonzaga. A diferença é que ela é muito mais que a Rosinha e eu sou muito menos que o Gonzagão. Acontece que temos alguns pensamentos com a mesma congruência e eu não escondo que escrevo sobre as pessoas que amo.

Outro dia, estávamos conversando sobre determinado assunto e, de repente, eu lhe perguntei:

– Você já entrou num cabaré?

Ora, fazer uma pergunta dessas a uma senhora casada, convenhamos, é de lascar! Inconveniente seria pouco para classificar essa pergunta. Acontece que muitas profissões ou cargos têm muitas inconveniências, que podemos chamar, também, de “ossos do ofício”. Aos advogados e estudantes de Medicina, creio ser de arrepiar participar da exumação de cadáveres, por exemplo. E esta seria apenas uma das inconveniências.

Pois bem, para minha surpresa, Lena já tinha entrado num prostíbulo.

– E o que você achou do ambiente? – perguntei, curioso.

A resposta foi estonteante. Ela disse que conhecia ambientes piores em casas de casais legalmente constituídos.

A prostituição é apenas uma das misérias que solapam esta sociedade cada vez mais decadente. Muitos dizem ser o degrau mais baixo da humanidade, no que eu não concordo. Pior é a fome que, muitas vezes, leva à prostituição.

Não sei se é verdade, mas escutei essa história de uma pessoa digna de crédito, que disse fazer parte da equipe.

Aproximava-se um dos períodos de recenciamento, possivelmente 1968/69. Algumas freiras do “Colégio Sagrado Coração de Jesus”, mais conhecido como “Colégio das Irmãs” de Teresina, se inscreveram juntamente com algumas alunas. Não propriamente pelo pagamento, pois excetuando as alunas bolsistas, a grande maioria das alunas pertenciam a alta sociedade da capital, mas para adquirirem conhecimentos reais sobre o assunto. O que elas não imaginavam era que viveriam experiências imponderáveis e inesquecíveis.

A área que lhes caiu nas mãos englobava a rua Paissandu, exatamente a do foco da zona do meretrício. Até então, não existiam as máquinas eletrônicas usadas hoje, tudo era na base do lápis, papel e prancheta de mão.

A equipe se compunha de uma freira, duas estudantes, o motorista e um policial. Em dado momento, elas se viram dentro da “Boite Estrela”, ou seja, exatamente no olho do furacão.

Dá para imaginar a curiosidade das pessoas, vendo uma freira adentrando aquele lugar, certamente o menos apropriado. Se fosse um padre indo ouvir uma confissão de urgência já seria caso de especulação, quanto mais uma freira!

Imediatamente, a entrada da boite ficou lotada de mexeriqueiros, cada qual com suas suposições delirantes.

Como o número de moradoras era grande e a dona do ambiente não fora avisada antes, a

desorganização era geral. Por isso, a freira alertou às alunas sobre possíveis inconvenientes e pediu-lhes que se mantivessem calmas, pois as moradoras não mordiam.

Tudo transcorria dentro da normalidade, até que uma dúvida foi levantada por uma aluna:

– Irmã, no espaço destinado à profissão das recenseadas, eu coloco o quê?

Coitada da freira! De pelo menos duas das possibilidades mais simples, ela optou pela menos sensata e disse num sussurro:

– Coloca aí: mulher de vida fácil.

É nessas horas que a gente descobre que o diabo está sempre de plantão, sem piscar um olho. Pois não é que uma das moradoras da casa ouviu? E pela reação que teve, não gostou nada, nada.

Quando a equipe terminou o trabalho e já estava de saída, ela desabafou:

– É brincadeira? A gente se alimenta mal, dorme mal, passa a noite fazendo coisas que essas aí nunca nem imaginaram e agora me vêm com essa história de “mulher de vida fácil”! Só mesmo no “oi” do cururu!*

Verdade que, mais uma vez, a vida do vizinho foi vista com brandura e sem sacrifícios. Que ninguém se meta a usar o capacete do seu vizinho.

Obs: *A íntegra da fala desse parágrafo foi uma romântica tradução para o Português corrente, porque os termos usados foram outros bem característicos do lugar e, portanto, impublicáveis. Impublicáveis para os tempos idos, pois não há nada do que foi dito ali que não seja praticado hoje e até ensinado na prática nas escolas públicas. Tem até vídeo mostrando isso na internet.