Eu queria poder dizer que...

Eu queria poder dizer que essa triste realidade em que o mundo está mergulhado vai pelo menos servir para que as pessoas sejam melhores, se tornem melhores, percebam que a vida é sim um bem precioso, uma dádiva que precisa ser cuidada.

Eu queria poder dizer que o mundo pós-pandemia vai ser um lugar melhor de se viver, com parques, praças, jardins mais cuidados e valorizados, onde a natureza vai ter a importância que merece, que não vai continuar sendo usada como moeda de troca por grupos corporativistas que só almejam o lucro imediato acima de tudo.

Eu queria poder dizer que os abraços e todos os outros gestos de cumprimento (quando retornarem) vão ser dados com verdade absoluta, sem as amarras da falsidade, da obrigação das regras de etiqueta social.

Eu queria poder dizer que o mundo hoje aprendeu uma grande lição diante de tantas vidas ceifadas e que as lágrimas derramadas por pais, mães, filhos, avôs, avós não serão em vão, que o amor será, de uma vez por todas, o sustentáculo de todas as relações familiares, que atritos, conflitos, mágoas não mais destruirão as famílias.

Eu queria poder dizer que essa treva em que o mundo está submerso logo vai passar e que essa doença é uma “gripezinha” (quem dera, mas não é), que os números de mortes anunciados é “fake news”, ledo engano, intriga da oposição ou da Globo, mas não, definitivamente não é, os mortos contados (e os não contados) são reais e os seus sentem a dor de perdê-los tão repentinamente, sem poder dizer-lhes adeus.

Eu queria poder dizer... ah, eu queria poder dizer tanta coisa sobre o ontem, sobre o hoje e sobre o amanhã, mas não posso porque o ontem nunca serviu de exemplo para erramos menos ou acertarmos mais (depende do ponto de vista de cada um), o hoje nos aprisionou numa ignorância extrema, onde cada um busca os próprios interesses, ignoram a importância do isolamento social e se isolam num egoísmo fúnebre e o amanhã? Ah... esse é uma incógnita é literalmente incognoscível.

Eu queria dizer ao menos, em certos aspectos, que eu estou errada, que as vidas perdidas para esse inimigo “invisível” não foram em vão, mas não posso, porque o ser humano é dotado de uma capacidade esdrúxula de esquecer, que logo tudo isso vai ficar apenas nos anais da história e também não vai servir para as futuras gerações tirar lições profícuas dessa pandemia e usá-las a seu favor.

Eu queria poder dizer que isso é pessimismos da minha parte, mas não, o mundo é isso que conhecemos: mesquinho e irresponsável, quem é bom é bom e quem é mau é mau, dificilmente isso muda (e não se trata de conformismo meu, apenas constatação), nós sempre vamos ter esse duelo entre o bem e o mal permeando as relações humanas, onde a luz procura nos mostrar o caminho da felicidade e a escuridão tenta dominar a humanidade (se bem que ela consegue de vez em quando envolver um ou um grupo) e deixar estarrecido o restante.

Eu queria poder dizer que no final de tudo um memorial vai ser edificado em cada país para lembrar a todos a importância de preservar a vida, que cada cientista ou profissional de saúde, que esteve à frente desse momento, jamais será esquecido, que os investimentos em saúde serão prioritários em qualquer governo e que a partir de agora esses trabalhadores terão primazia, que terão condições dignas de exercerem o seu “sacerdócio”.

Eu queria poder dizer que essa é a última pandemia, endemia, epidemia que vai assombrar a humanidade, que os organismos nacionais e internacionais cuidarão para que o verdadeiro propósito de suas existências seja cumprido à risca, deixando de fora o corporativismo e as intervenções dessa “peste daninha” chamada política partidária (e da política ignóbil dos “sem partido”).

Mas o que queria dizer não importa, está suspenso agora pela expectativa das incertezas que assolam a humanidade, mas uma coisa eu posso dizer, aliás, posso pedir em forma de prece:

-Que o Criador do Universo nos proteja a todos. Amém!!!!

Por Maria Gilda da Silva – Salgueiro/PE - Em 23/05/2020.