Resenha do filme Coringa

O filósofo Henri Bergson [1859-1941] escreveu “O riso”, em 1899, para falar sobre a experiência do riso na vida em comum. Para ele, o homem é o único animal que ri e faz rir; e o faz para corresponder a uma certa exigência da vida em comum.

O riso serve como parâmetro da nossa civilização. Há lugares e não-lugares para rir. Ninguém riria no enterro da própria mãe. Condenaríamos o autor do riso em tal contexto. Por outro lado, rimos de um humorista quando o contexto nos permite sorrir. Ou rimos de alguém que tropeçou numa pedra e caiu. Quem nunca riu que atire a primeira pedra!

O personagem de “O Coringa”, filme estrelado por Joaquin Phoenix, revela o lado sombrio do riso. O Coringa ri de tudo – quando pode ou não. O riso, no caso dele, é patológico e é acionado sob estresse e frustração.

O mundo não é um lugar tão alegre para o Coringa. Sua mãe apanhava do marido e enlouqueceu. O pequenino Arthur Fleck apanhava junto e sofreu traumatismo craniano. O menino cresceu com vários problemas psicológicos. Internado em um sanatório dependia de remédios controlados para não enlouquecer. Trabalhava como palhaço e foi demitido por carregar uma arma enquanto se apresentava para crianças. Sonhava com o dia em que seria um famoso comediante de stand up comedy, ou que conseguiria um encontro amoroso com a vizinha, mas nada acontecia em sua vida. Arthur acumulava frustração, rejeição e impotência. Uma frustração que só aumentava após não receber seus remédios controlados do governo.

No fim, o Coringa se apresenta em um famoso talk show, põe a culpa no sistema, entre o que é certo ou errado, entre o que tem graça ou não. E então, com fúria atira no apresentador e desencadeia um rastro de saques, vandalismo e violência na cidade de Gotham City. Entre os mascarados, o Coringa se torna um vingador. Alguém que não obedece a justiça ou segue as leis. Alguém que faz “justiça” com as próprias mãos. Um vingador dos fracassados, frustrados e impotentes.