A Modernidade e a Mudança
 
 
A experiência vivida pelo homem é plural. Pensar em toda nossa trajetória, da mais remota antiguidade até nossos dias, querendo entender modos de vida, jeitos de ser, dificuldades e facilidades de viver, é constatar uma diversidade tão grandiosa de provações que mais remete à crença de um mundo em permanente transformação do que de um mundo estático, imobilizado, como se tudo permanecesse sempre igual, pela eternidade.
Olhando nossa vida social deste ponto histórico de onde estamos atualmente, o mundo é uma sucessão de eventos permanente, o que faz ganhar ares de verdade a afirmação de que tudo muda.
Essa certeza, no entanto, perde força quando olhamos de perto as pessoas elaborando o seu cotidiano. Pessoas lidando com as imagens do mundo construídas como fundamento cultural, que possibilitou o desenvolvimento de certa sensibilidade, certo modo de ver e de dizer o universo. Essas imagens, nascidas do empenho da sobrevivência e da convivência das pessoas, se enraízam no inconsciente dos indivíduos e da sociedade e permanecem; essas imagens marcam, de modo duradouro, na alma coletiva, o jeito de pensar, sentir e perceber o mundo.
O mundo é, então, uma imagem. É aquilo que dizemos dele ou que queremos dele.
É aí nesse princípio que travamos ou aceleramos a mudança.
As experiências seculares vêm demonstrando que as variações muito acentuadas ameaçam a coesão social, ou seja, a regularidade garante uma convivência mais tranquila dentro do grupo. A tal ponto isso funcionou como um dado útil para a sociedade que o rito predominou como método para salvaguardar o grupo. A vida ritualizada não é um exercício de recordação é a encarnação das imagens (das culturas) no gesto, na linguagem, no desejo de cada indivíduo.
O rito e o conjunto de símbolos nele inserido forneceram sentido à realidade, fizeram-se princípios que impediram mudanças bruscas e, assim, salvaram a sociedade do risco da destruição. Sob o símbolo do rito, a sociedade humana viveu cerca de 50 séculos.
Esse processo de transformação lenta, ritualizado, que predominou por tantos séculos, num aparente contrassenso, gerou um mundo moderno. Mundo que começou a se estruturar a partir dos anos 500 (século XIV), enfraquecendo as estruturas sociais dos tempos anteriores e passou a criticar radicalmente o presente fixo do mundo ritualizado.
O fundamento do tempo moderno já não é a permanência, é a mudança. Mudança que ganha perenidade porque, ao negar os tempos anteriores e criticá-los, nega a si próprio, não cria nada como definitivo, ou como afirma a professora Lúcia Fabrini de Almeida, em seu texto “Tempo e Otredad nos Ensaios de Octavio Paz”: “O tempo é visto como um processo que, ao se negar se transforma, isto é, muda; é sempre outro”.
O mundo tranquilo e imutável ganha nova característica, passa a ser descontínuo e irregular: a mudança se torna norma.  O interesse pelo passado é minimizado a favor de um futuro de realizações, o que quebra uma relação vertical céu-terra e constrói uma relação horizontal, sem uma perspectiva de fim: “[...] o projeto humano jamais se completa” (Lúcia Fabrini de Almeida).
O que fez isso acontecer? Que coisas sucederam que fizeram as mudanças acelerarem? Existe mais de uma resposta a essas questões. Uma delas, sem dúvida, é o desenvolvimento da consciência do direito à liberdade individual.
Nessa perspectiva de liberdade, ideias novas suscitaram novos modelos de ação, interromperam a soberania de poderes absolutos e implodiram estruturas seculares que penalizavam milhões de pessoas arrancadas de seu habitat ancestral, numa resposta positiva à teoria de Karl Marx (1818-1883): “[...] tudo o que é sólido desmancha no ar”.
Com as ideias desapegadas do medo de agir e criar, a industrialização da produção transforma o conhecimento científico em tecnologia, sistemas de comunicação quebram as fronteiras das distâncias, movimentos sociais de nações ganham força.
Entramos num modelo de vida sem arquétipo, sem um padrão específico nomeado como ponto chegada, dado que tudo muda a todo instante. Resta-nos um futuro de realizações por nossa conta e risco.
A mudança agora é um modo de viver.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 21/08/2018
Código do texto: T6425456
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