O Olhar Poético
 
 
Ver.
Excitar o invisível é fazer aparecer as experiências de imagens presentes em paixões e desejos. Esses sentimentos estão velados em mundos de sombras e indefinições das almas humanas. Nasce daí o olhar poético que ilumina mais do que podem enxergar outros modos de ver a vida em ação: “[...] há um ao abrigo poético onde os devaneios substituem o pensamento, onde os poemas escondem os teoremas” (Gaston Bachelard).
Não é fugir do mundo, ao devanear; nem menosprezar o valor dos saberes explicativos da realidade sensível, ao contemplar. O olhar poético traça outra linha, pertence a outro domínio fora das certezas conduzidas pelos caminhos objetivos dos demais saberes.
A poesia está no mundo e fala de tudo que nele existe — os homens, outros seres vivos e as coisas — revelando as faces mais ocultas, interioridades, intimidades, nem de longe imaginadas por outras linguagens.
Ver o sensível pelo olhar poético é mais do que vê o que é visto no desenho dos conceitos. O sensível na poesia é abstração sem ser ilusão, pois há imagens nesse olhar solidificando ações associadas a choros, risos, encantamentos, gestos suaves de carinhos ou de embravecida aversão.
Drummond de Andrade (1902-1987), com seu poema “Confidência do Itabirano”, é um exemplo enfático desse olhar que enxerga o invisível, como na expressão do “Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944): “Eis o meu segredo. Ele é muito simples: somente vemos bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”.
Essa invisibilidade existe porque o essencial se oculta no particular, na emoção individual resultante de experiências únicas vividas no universo social. Colher essa emoção na sua totalidade somente é possível pela poesia. Só a poesia tem esse poder de identificar e revelar o essencial porque ela vem da intimidade da alma e é construída de emoções, anseios, sonhos.
Drummond de Andrade, ao delinear Itabira – Minas Gerais, se mostra como indivíduo preso às origens e se universaliza como homem ao revelar suas alegrias e suas dores:
 
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
 
A Itabira da infância não acode Drummond como lugar de alegria, a memória que acontece no interior da poesia é de melancolia. O poema “Confidência do Itabirano” fala de riquezas, fazendas, ferro, muitas montanhas de ferro, mas as “noites (são) brancas, sem mulheres e sem horizontes”.
Vem daí o homem silencioso, sutil, argucioso que se recolhe para pensar e, sem angústia, brinca consigo mesmo enquanto vive um tempo urbano, tão diferente daquele tempo rural da infância:
 
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
 
As montanhas da infância e o silêncio delas, presentes na alma, geraram, aparentemente, forte nostalgia no poeta, mas não lhe causou ilusão. As fazendas, o gado, o minério são coisas passadas e perdidas. O filho de fazendeiro modernizou-se para acompanhar as transformações da sociedade brasileira, e agora é funcionário público:

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
 
O ferro, o ouro, o gado e as fazendas cantadas na poesia formam a imagem de Itabira. Itabira agora é apenas morada da alma do poeta que se exilou na solidão feliz de poder recompor a vida em verso. Já não importa agora o ferro, o ouro, o gado e as fazendas, Drummond se libertou desse mundo sensível e de suas flutuações: Itabira é apenas uma fotografia na parede. Fotografia que não suprimiu os sentidos do poeta. Ela alimenta a lembrança do homem orgulhoso, de ferro e a doce herança itabirana.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 20/08/2018
Código do texto: T6424607
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