Ética, corrupção e miséria
O tema em discussão entre eu o meu amigo era o comportamento do ser humano e suas ações. Naturalmente, a palavra ética se impõe na conversa. Na tentativa de defini-la recorremos a conceitos tendo como referência Platão e Aristóteles, mas nenhuma definição foi tão conclusiva quanto a do meu interlocutor e amigo com formação em Teologia e Filosofia: a falta de ética é toda ação ou comportamento que atenta contra a vida. Que bela definição!
Enquanto falávamos, espontaneamente, surgiu uma outra palavra: corrupção, essa coisa meio virtual, mas de uma realidade que apavora pelos seus efeitos diabólicos de destruição. Historicamente, a corrupção tem permeado os governos, inviabilizando que o Estado cumpra o seu papel de prover as comunidades com infraestruturas e serviços de qualidade como saúde, educação e segurança e, portanto, atentando contra a vida.
O assunto corrupção é tão sério, que estudiosos argumentam que a mesma tem sido a grande causa da pobreza no mundo. Friedrich Engels ao conceituar a república democrática como a forma mais evoluída de Estado, destacou como problema os funcionários corruptos. George Orwel, em a Revolução dos Bichos, não só faz referências à corrupção, bem como a associa a um país e atribui a esta a causa da miséria de seu povo; também sugere ser ela a grande causa de atraso do Estado contemporâneo.
Mas, para combater a corrupção, em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como alguns preferem tratar o nosso País, necessariamente, precisamos, evocar Paul-Michel Foucault, repensar o nosso modelo atual de educação, de tal sorte, que pudéssemos destruir o atual padrão, revendo o que é bom para todos e, não, apenas para poucos. A exemplo de Descartes, talvez fosse imprescindível revisar conceitos e idéias impostas por nossos mestres como verdades inquestionáveis. E, na política, porque não voltarmos a Grécia antiga e estudá-la segundo os conceitos de Sócrates e Platão e, assim, plantarmos a esperança de extrairmos a corrupção instituída numa casta de políticos que teria o papel de ensinar e trabalhar em prol do povo.
Enquanto as coisas não mudam, a corrupção destrói vidas e poda a esperança de políticas públicas de inclusão social e distribuição da renda. A corrupção não tem cara, não tem forma definida, é fugaz, tem o disfarce dos camaleões. Enquanto aceitamos como normal o desvio do dinheiro público, incentivamos a prática do niilismo e a proliferação das escolas que valorizam mais a retórica; desta forma estaremos alimentando um Estado corporativista e uma república com alma ditatorial.
Mas o que mais me apavora é essa convivência pacífica, quase harmoniosa, com a miséria humana, com a indigência, com a guerra urbana das grandes metrópoles, com a proliferação geométrica das favelas e o crescimento da criminalidade, como se estes indicadores fossem símbolos de poder, que, lamentavelmente, se incorporam ao DNA - síntese das proteínas - de uma população embrutecida pela falta de expectativa de um mundo melhor. Entramos pois, na era do individualismo crônico, da banalização da vida, do atentado permanente à vida, do sintoma epidêmico da falta de ética.
Ao criticar a nossa realidade, proponho-me, sem grandes pretensões, trazer à tona elementos que nos permita entender por que nos enrolamos no subdesenvolvimento. Não tenho a pretensão filosófica de questionar a Crítica da Razão Pura de Kant, mas não poderia deixar de querer entender um pouco da visão política de Maquiavel para procurar traduzir as várias formas de dominação. É importante que entendamos por que, mesmo pagando uma das maiores cargas de impostos do mundo, abanamos, aplaudimos e ovacionamos aqueles que nos prometem uma vida melhor, mas que em resumo passam a serem nossos carrascos, pois na contrapartida, o Estado faz pouco e mal, ficando um grande saldo de promessas e apenas sendo oferecido algumas migalhas em serviços.
Mas afinal, o que realmente queremos? Pensar em mudança é uma perspectiva próxima da utopia. Todavia, prefiro a utopia de um Brasil menos doente à caverna povoada pela corrupção e pela falta de ética, essa prática que tanto tem contribuído para aumentar a diferença entre os que mais tem dos que menos tem.