Crônica de um massacre anunciado
 
O massacre nas penitenciárias de Manaus e de Roraima com suas dezenas de decapitados, comprovam que a  barbárie é aqui. Num país onde a educação básica, o professor e a escola são tratados com abandono e desprezo o que se pode esperar do tratamento dado àqueles que em sua maioria, justamente por falta de educação e de oportunidades, enveredaram para o mundo do crime e acabaram por cair na rede do nosso injusto e perverso sistema prisional. Presos em sua maioria ainda acusados sem sequer terem sido julgados em definitivo, jogados nessas masmorras lúgubres sem algum critério , nem mesmo uma simples triagem que leve em consideração o grau de periculosidade e de delito cometido. Presos provisórios são misturados a condenados, o que existe é a divisão por facção, estimulando a disputa por território no já escasso espaço disponível,  rivalidades e desavenças entre os grupos rivais. Para agravar o problema a ausência do Estado no interior dessas instituições condena os apenados duplamente e ainda favorece a "autogestão" onde grupos organizados impõe o regime do terror em nome de uma suposta “proteção”, mas essa não é a principal causa das rebeliões que pipocam a toda hora nos presídios do país. As causas são, sobretudo, o crime organizado que dezorganiza ainda mais o precário sistema penitenciário, com sua rede de subornos a membros do judiciário, policiais e carcereiros. As próprias instalações dos presídios em sua maioria insalubres e superpovoadas, some-se a isso a má alimentação e a falta do que fazer ali dentro, no interior das prisões faltam escolas, bibliotecas, áreas de lazer e de trabalho e sobretudo disciplina. Ainda há a  competência duvidosa do Estado e de algumas empresas terceirizadas que cuidam da gestão dos presídos, a falta de preparo dos agentes carcerários que são explorados e desvalorizados e  para completar o triste quadro a violência e tortura aplicadas aos presos. Mas o que é mais grave é o silêncio conivente de grande parte da sociedade que reza por aquele mantra difundido: Bandido bom é bandido morto. Se isso resolvesse o problema o país já estava livre da delinquência, no entanto morrem cinquenta e nossa sociedade marginaliza e joga na criminalidade milhares.  O fato é que toda a carga pesada para manter o sistema funcionando fica com a polícia e os agentes penitenciários, quando a gestão deveria envolver de fato todas as autoridades responsáveis pelo setor. Infelizmente uma área tão sensível é relegada ao abandono total, mas em se tratando do Brasil alguém deve lucrar  com este estado de coisas. Uma reflexão que deve ser feita pela sociedade e autoridades diretamente envolvidas com a questão é o que fazer com esses seres humanos que não podem perder essa condição por estarem presos. A meu ver tem que haver políticas urgentes que visem humanizar as prisões. Elas são tão abandonadas pelo Estado como são os que ali vivem. O que é triste nessa tragédia anunciada, como tantas outras nesse país absurdo, é constatar que muitos encarcerados que sequer cometeram crimes de homicídios, ou fizeram parte do crime organizado quando em liberdade , uma vez ali, logo aprendem que não aderir a essa ou aquela facção é estar sob o risco de morte e não matar se constituí num crime grave. Afinal qual é a função das penas e dos presídios? No Brasil as penitenciárias e as casas de detenção provisória não cumprem a finalidade a que se destinam, são depósitos de gente, funcionam apenas para trancafiar e brutalizar. Nem o vigiar e punir (em termos foucaultiano) funciona. O que vige é a lei do mais forte e a Lei do Talião sem o sentido de justiça desta. O sistema penal e de exucuções  penais e todo o sistema prisional  deve ser urgentemente reformulados ou o Brasil pagará um preço altíssimo como já literalmente paga, já que o custo de manter um indivíduo preso é bem mair do que manter uma criança ou adolescente na escola. Fico a pensar nos últimos 20 anos o que de fato foi feito nas áreas mais sensíveis do país: educação e segurança pública? Até quando escolheremos gastar com estádios que custaram bilhões e não com escolas ou com a reformulação total do nosso carcomido sistema prisional levando em conta a ressocialização e humanização (não confundir com paternalismo) dos presos de modo que os presídios não sejam o que são: fábricas de produção em série de bestas humanas. O que resta a justiça e a polícia é identificar os organizadores desse massacre, os executores, jugá-los e condená-los isso é o mínimo que a sociedade pode exigir e investigar a cumplicidade de membros do  governo do Amazonas com essa facção criminosa. Outra coisa,  o Brasil tem que decidir se prefere investir a um custo mais baixo em educação de qualidade e inclusiva ou investir com maior custo em presídios. Falo estas coisas não do alto de uma torre de marfim, mas com a autoridade de quem já vivenciou como professor de presídio o que é uma prisão no Brasil.  Lugar onde as ameaças de rebeliões, principios de motins, é uma constante. Esse tema me  inquieta muito seja como cidadão, seja como historiador ou filósofo. Foi a partir dessa experiência rica e desafiadora que comecei a refletir a sério sobre os destinos da população carcerária e uma pergunta me vem sempre a mente: O  que fazer com esses seres humanos, fingir que eles não existem não resolve a questão, o que será do Brasil?
 

 
Labareda
Enviado por Labareda em 03/01/2017
Reeditado em 12/01/2017
Código do texto: T5870558
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