Riscos da Intimidade: lidar com amizades

São possíveis vários níveis, por assim dizer, de amizades. Pessoas com que compartilhamos o amor por um time, por certos assuntos ou hobbies. São pessoas com que sempre temos o que conversar sobre estes interesses. Sabemos que são as poucas pessoas capazes de compreender sem muitas explicações alguma intuição ou escolha relacionada a estes temas.

A coisa começa a complicar, quando ultrapassamos estes limites e projetamos nos amigos a figura da mãe ou do pai. Achamos que precisam entender nossos medos, nossas dores mais profundas, nossas frustrações e dificuldades da mesma forma como compartilham nossas perspectivas em relação a outros assuntos.

O problema disto é que em relação aos assuntos mais íntimos, ninguém é capaz de se colocar no seu lugar, sentir como você sente. Podemos fazer isto em relação a qualquer coisa que linguagem alcance facilmente pela qual podemos reduzir a realidade a conceitos e comunicá-la.

A realidade da alma é incomunicável. Os sentimentos não são como objetos exteriores que podem ser conceituados sem que se perca sua essência. Mesmo por que eles não possuem essência.

Os sentimentos reduzidos a conceitos nunca corresponderão ao que realmente sente, já que você tem tanto a perspectiva do conceito (você o entende) quanto da perspectiva essencial (você tem o sentimento dentro de você - como parte de você).

Exigir dos amigos este tipo de compreensão sempre levará a frustrações pois o entendimento conceitual dificilmente corresponderá ao sentimento como é vivido. O resultado disto será desentendimentos, frustrações e decepções com as reações e respostas dos amigos aos seus problemas.

Este "se colocar no lugar" não se dá além do limite do conceito, da linguagem. O sentimento tal como é vivido não pode ser compartilhado com ninguém. O que implica que muitas reações emocionais não serão compreensíveis, mesmo para pessoas que já tenham vivido coisas semelhantes.

Como exemplo pessoal, tive tanto amigos que compartilhassem questões profissionais, de lazer e ideológicas, como aqueles com que dividia questões pessoais.

Teve um tempo que achava que estes últimos é que eram os verdadeiros amigos. Na verdade, estas amizades foram se perdendo através de maus entendidos e decepções de ambas as partes.

Enquanto aqueles com os quais não tinha tanta proximidade não tivemos nenhum desentendimento. Não tenho mais contato com aqueles mais próximos, enquanto os outros ainda os tenho e posso contar com eles.

É preciso aceitarmos que o cordão umbilical foi cortado. Primeiro contamos com os pais para compreender nossas frustrações e sentimentos mais profundos. As diferenças de geração e valores começam a enterrar esta possibilidade.

Depois buscamos os amigos, e percebemos que não agem como se compreendessem a fundo estas questões. Então buscamos outros, os verdadeiros, até percebermos definitivamente que eles não são capazes e que não se trata de ser verdadeiros ou não como amigos.

Buscamos então os namoros. Levamos para o outro esta expectativa de um entendimento íntimo e novamente não seremos compreendidos. A razão já dita antes é que só podemos nos comunicar através de conceitos e significados, estes não substituem a realidade mas a representa. Como você vive seu sentimento a diferença entre o que você vive e como representam o que vive é abismal.

Irá se frustrar com namoros e levar para o relacionamento a tarefa impossível de dividir o que não pode ser dividido. Vai frustrar tanto a si mesmo quanto ao parceiro.

O último estágio, o mais doloroso e não necessariamente concluído pelas pessoas, é o da aceitação da solidão.

Ao olharmos a vastidão de todos os sentimentos e experiências e sabermos que não serão entendidos, serão só seus, recebe uma das sentenças mais dolorosas do mundo: terá que lidar sozinho com suas questões - os outros não poderão lhe ajudar, pois não podem sentir como você sente.

É o momento em que se define muitas coisas. Do desespero a superação. Nos voltamos, se conseguirmos, às pequenas coisas. As coisas e gestos simples que podem ser compartilhados e entendidos. Nos focamos na ajuda e auxílio sempre aceitando que o outro é um universo inalcançável, assim como você mesmo.

Ninguém pode trilhar por você ou pelo outro este caminho. Mas tendo passado por ele, você ou alguém pode contribuir com alguma coisa auxilie esta viagem. Mas sem dizer ou impor o seu caminho, o seu estilo, a sua técnica. Não por egoísmo, mas por entender que a liberdade será o único consolo do viajante solitário. Não deve tirar dele isto.

Não amaldiçoe a humanidade, os amigos, os pais e os relacionamentos como se estes ignorassem e desprezassem seus sentimentos. Eles não podem viver o mesmo que você vive, por mais que entendam. Um pintura por mais perfeita que seja nunca vai ser como paisagem real. Eles não fazem por mal, por egoísmo ou outro sentimento ruim.

Não há pessoa "boa" o bastante no mundo para viver o mesmo que você vive em seu íntimo. Não exija das pessoas tarefas impossíveis ou acabará afastando muitas delas, quando não esgotando os limites e forças de seus familiares, amigos e parceiros.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 29/07/2016
Reeditado em 29/07/2016
Código do texto: T5712967
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