EU, O LADRÃO E O CIENTISTA

Bendito Word que me permite externar nesse momento o motivo da minha tristeza. Amanheci deveras triste nesse dia cinzento e frio. O motivo desse aperto em meu peito foi o roubo de uma pesquisa científica ocorrido nessa semana. O cientista estava em um aeroporto, foi atender o celular e dois homens roubaram a mala dele que continha o computador. Roubaram mais que o objeto eletrônico. Roubaram a pesquisa inédita contra o Zika Virus (copiei o” inédita” do noticiário). Imagino nesse instante como está se sentindo o cientista, porque de alguma forma eu sei que a pesquisa é uma parte importante que o constitui. Quanta dedicação houve nesse processo, quantas expectativas e quanto intelecto foi empregado ou mesmo privações pessoais! Nada do que eu sinto nesse momento ou escreva mudará esse fato. Posso falar horas sobre essa grande perda para a humanidade e para esse homem. Posso falar horas sobre minha indignação em um cenário nacional que me remete aos filmes do Velho Oeste. Algum dia serão mesmo discutidas veementemente as questões sobre a origem do crime, o berço da criminalidade e a sua erradicação? Ninguém nasce bandido! Se em toda a nação só houvesse bebês, nenhum certamente seria, nesse estágio, um criminoso. Então é óbvia a conclusão de que o criminoso é construído durante o seu desenvolvimento humano. Essa construção ocorre de que forma? Existem estudos que apontam possíveis causas, como por exemplo: a interação com o ambiente. Seria para alguns, um produto da exclusão somada a subjetividade em nosso sistema que segrega a pobreza. Não defendo o bandido colocando nele uma capa de pobre coitado, mas também não defendo a sociedade responsável por fabricá-lo. Quando digo sociedade, parece que estou dizendo que o problema é de todos e de ninguém ao mesmo tempo. Porque a palavra sociedade não vem acompanhada de um rosto ou uma identidade única. E se todas as pessoas tivessem as mesmas condições materiais? Dizendo isso eu praticamente estou “chovendo no molhado”, afinal quantas lutas se travaram em sistemas que tiveram essa ideologia. Buscando uma possível resposta dentro de mim mesma, penso como outros já pensaram também, que a escola deveria ser mais do que vem sendo. É ótimo que nela se aprenda as ciências, a arte, a cultura, ética , etc. Mas para muitos tudo isso é mostrado como uma história que não lhe pertence. Muitos vivem em cenários de desconstrução da própria humanidade. E neles se aprende a matar a fome e a sede de formas bem diferentes, a começar para suprir necessidades básicas e depois por ter aprendido a adquirir bens de consumo a partir da prática de crimes. No entanto se até aqui eu me referi a populações segredadas e miseráveis, abro o espaço para os que não passam fome, mas que também comentem crimes. Há no espaço brasileiro a proliferação da alma bandida, isso em todas as classes sociais. Que exemplo nós temos visto nos adultos que governam nossa nação? Não sei repetir todas as operações da polícia federal, porque quando começo a entender uma, logo surge outra com outro nome, com outros representantes políticos acusados de vários crimes no exercício do poder. Crimes que lesam a nação de todas as formas e afetam até mesmo as crenças. Aqui em baixo, ficamos acompanhando os acontecimentos, ainda que com pouco entendimento. No fundo, nem eu, nem o intelectual teríamos a explicação correta para esses “fenômenos” ,porque estamos impregnados de convicções que defendemos como verdades, mesmo sabendo que existem inúmeras verdades e mentiras, crendices e apropriação de idéias. Nunca me pergunte sobre o cenário político, porque confesso que sou a parte culpada, sou a parte ignorante, que fica sentada esperando noticiário. Moro em um país que dizem ser lindo! Eu só conheço por imagens. Bendita internet que me apresentou meu país nesse meu meio século de vida. Acho que infelizmente vou passar pela vida sem ter tocado de fato as belezas brasileiras. Isso é um pouco engraçado também! Fico feliz pelos turistas estrangeiros que em reportagens podem me contar a sensação de estar nos pontos turísticos do meu país. Assim me sinto mais íntima do que aprendi nos livros da escola. A gente lê sobre os índios na história do Brasil Colônia e inacreditavelmente esses donos dessa terra deixaram descendentes, mas só os vejo na tela da televisão ou pela internet. Li na escola sobre grandes revoluções, como a Revolução Farroupilha, mas só por fotos eu pude ver alguns palcos dessa batalha. E a história está lá, há quilômetros de mim que apenas posso conhecer pelos livros ou vídeos, não posso tocar os cenários do Brasil. Tudo bem, eu mudei de assunto de criminalidade para exclusão e educação, eu percebi que mudei o texto que estava escrevendo. Digamos que foi o entusiasmo que o conhecimento de fato é capaz de produzir em um indivíduo. Tendo então produzido esse entusiasmo em mim. Há milhões de pessoas em desenvolvimento ocupando as carteiras das escolas que sabem que muito do que estão vendo se limitará à sala de aula. Dizem que cada um faz o seu caminho, dizem que todos têm as mesmas chances, dizem que Papai Noel é o bom velhinho. No fundo eu considero que todos precisamos de um país livre, com pessoas livres, dotadas de pertencimento. É nesse pertencimento que nascem valores, paixões, solidariedade, respeito e indiscutivelmente a paz. Essa paz que teria no início desse texto mostrado outro desfecho para o cientista pelo qual me entristeci hoje. Teria sido assim: Cientista coloca a mala no chão do aeroporto para atender o celular e dois homens aproximam-se, desejam boa noite e seguem conversando. O cientista concluiu dias depois a sua pesquisa, encontrou a cura do Zika Virus. Um daqueles homens que o vira dias antes lá no aeroporto, ao ler a notícia respirou aliviado. Sua filha recém-casada pretendia engravidar mas, somente agora ele se sente tranqüilo, pois até então o feto poderia nascer com microcefalia em decorrência do Zika Virus. E ele pensa: ainda bem que ninguém roubaria aquela mala do cientista e impediria a descoberta. Infelizmente, o final não foi assim e todos nós sabemos que o homem roubou a mala.

Simone Stone
Enviado por Simone Stone em 24/05/2016
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