Por que legalizar?
Vamos pensar o crime de furto por exemplo, além de prejudicar a vítima a mesma não escolhe ser furtado. Convenhamos, se alguém escolhe ser furtado, pede pra alguém fazer isto, não podemos caracterizar a ação como criminosa. Aliás, não faria nem sentido ser chamado de furto a medida em que permite e autorize tal situação.
Se alguém pede pra outro lhe machucar seriamente, este outro, ainda que autorizado, pode responder a processo e ser condenado. Quanto menos consciente a 'vítima' se encontra da gravidade do que pediu e quanto mais consciente da gravidade de atender o pedido maior pode ser a condenação.
Quando uma pessoa por negligência fez com que outra morresse, como pais que esquecem os filhos dentro de um carro fechado em dia quente, a sua intenção de causar o dano entra em julgamento e de forma alguma será julgada de forma justa sem que se considere as intencionalidades e a capacidade de evitar o dano.
Se fosse um adulto deixado no carro, que viesse a dormir e acabasse morrendo por conta do calor, não caberia crime, pois o mesmo poderia evitar a situação ( cuidar de si). Então a condição de vítima não seria caracterizada.
Vamos ao caso da produção e comércio de drogas. Podemos falar que os usuários são vítimas? Eles podem se prejudicar, sim. Mas se eles escolhem os riscos, estão cientes ou poderiam estar cientes disto, qual a razão de criminalizar a venda e a produção?
Toda a violência ligada ao tráfico tem origem na situação de clandestinidade e ilegalidade em que são colocadas estas atividades. Não há outras formas viáveis de proteção de um ponto de drogas que não seja pela violência ou a corrupção de policiais.
Os policiais por outro lado possuem a tarefa contraditória de proteger o usuário reprimindo os traficantes que são financiados pelo consumo do próprio usuário. O usuário é falsamente considerado uma vítima. Como poderia ser uma vítima podendo assumir os riscos do consumo. Aliás a ilegalidade em que o estado coloca a atividade o expõe a mais riscos do que o próprio vício.
As melhores polícias do mundo não conseguem conter uma atividade, com intuito de proteger a vítima, sendo a mesma responsável por sua procura e financiamento. Num exemplo extremo, imagina combater o roubo de casas enquanto as pessoas procurassem quem roubasse suas casas?
A ilegalidade da produção, venda e consumo de drogas não evitam que as drogas estejam ao alcance das crianças, jovens e adultos. Como todos sabem. O que impede mesmo que estas pessoas estejam protegidas das drogas é uma família bem estruturada, baseada no diálogo e na compreensão.
Uma sociedade que não faça os indivíduos mergulharem em uma vida sem sentido baseada no consumo e na alta competitividade. Se desejamos falar em vítimas, quem verdadeiramente faz vítimas é uma sociedade individualista e fria que vê o consumo de drogas com superficialidade ao invés de refletir sobre o que leva as pessoas ao consumo viciante e potencialmente destrutivo.
A ilegalidade e marginalização de certas drogas tornaram seu consumo parte de um estilo de vida alternativo e rebelde. A droga ainda é um dos poucos espaços não ocupados pela mídia e pela indústria do marketing. Por isto acaba servindo como matéria prima de estilos alternativos e concepções subversivas da realidade.
Se pensamos no que acontece com alimentos como hamburgueres ou objetos como automóveis, vemos que o seu consumo é mediado por propagandas e a venda de certos estilos de vida - ao qual são associados. Ainda que representem certo perigo para os seus consumidores, estes produtos, ao contrário das drogas, se tornaram parte de um padrão vigente aceito de sucesso e bom gosto.
As drogas por serem menos sujeitas a propagandas e a uma grande indústria - como as cervejas- se atrelam a um espaço aberto de definição de estilos que inevitavelmente se torna atrativa aos jovens. Por ainda serem tabus, assim como os motivos diversos do seu uso, a mesma se torna livre das discussões e reflexões que poderiam tornar o seu uso desnecessário.
O poder econômico que o mercado de drogas ganhou impede que o cumprimento da ilegalidade pelo policial seja comprometido tanto pela corrupção que provoca quanto pelo atrativo financeiro que faz compensar os riscos da prisão em relação as vantagens financeiras. Em outras palavras, por mais que se prenda e se encha as cadeias com traficantes, sempre tem mais pessoas dispostas a assumir o comércio - mesmo com os riscos conhecidos.
Se alguém acha que a ilegalidade esta protegendo seu filho do consumo doentio e viciante das drogas. Mude suas concepções, saiba que o diálogo e participação na vida do seu filho irão protegê-lo muito mais do que o policial ou o encarceramento do traficante.