A ESTAÇÃO DO TREM

A ESTAÇÃO DO TREM

“Você partiu para ver outras paisagens, e o meu coração, embora, finja fazer mil viagens, fica batendo, parado, naquela estação”.

(Gilberto Gil)

Quem morou no interior, ao alcance da linha do trem vai entender as ideias que vou colocar aqui. Toda cidadezinha que tivesse uma linha férrea achava comum ser acordada na madrugada pelo apito do trem. Até hoje, eu moro em Canoas e a passagem do trem de carga, a uns quatro quilômetros do centro, me acorda quando apita ao passar pelas diversas passagens de nível que existem na cidade.

Minha relação com os trens começa em 1961, quando a Companhia de Guardas foi a Uruguaiana fazer o policiamento do encontro dos presidentes Jânio (Brasil) Frondizi (Argentina) evento que durou uns cinco dias. A viagem de trem, em vagões de Segunda, da Capital a Uruguaiana levou vinte e quatro horas, o que tiramos de letra, no verdor de nossos dezoito anos. Depois, em 1966 fui designado pela Caixa para trabalhar em Jaguari, quase 500 quilômetros de Porto Alegre. Dali começava minha relação com os trens, não só como passageiro, mas como observador e interativo, já que, como tarefa de minha função tinha que ir diariamente à estação buscar a féria e remetê-la por cheque à central.

As estações dos trens, especialmente no interior, apresentavam uma variedade de nuanças que enriqueciam as observações psicossociais, das pessoas que iam receber os trens, partir, esperar alguém ou simplesmente assistir à passagem das composições. Em Jaguari, por exemplo, quando as locomotivas a diesel foram substituídas pelo “Minuano”, uma boa parcela da população ia à estação, às dez da noite ver aquela novidade.

Com minha visão de cronista, já sensível àquela época, eu me permiti fazer algumas observações a partir dos fatos comuns daqueles cotidianos. Entre quem chega e quem sai, se pode ver os que partem fugindo de alguma coisa, há quem retorna sem saber aonde ir. Muitos voltam vitoriosos e outros derrotados, depois de perderem tudo. A estação dos trens é rica em revelar situações românticas e também dramáticas. Há quem vem para casar ou para ver o neto que nasceu, assim como para assistir a um funeral ou acompanhar um doente terminal. Nesse particular, o trem está intimamente ligado aos eventos e às emoções de muita gente. Quando a composição chegava (em geral com atraso) era um deus-nos-acuda na estação. Não havia lugares marcados, era um salve-se-quem-puder. A gente tinha que entrar para agarrar o lugar e colocar as malas debaixo do banco, esbarrando nos passageiros que tentavam descer do trem. Era um pandemônio notável... Pena que a ditadura acabou com os trens de passageiros, para favorecer o transporte rodoviário. E deu no que deu...