A Nossa Linguagem é o Nosso Mundo.
"Há verdades descobertas, mas há muitas verdades inventadas. O senso comum não nota a diferença. Quando nota, se desespera. Afinal, a gravidade é uma coisa descoberta ou inventada? Que há algo que pode ser descrito como o que faz com que coisas acima da superfície se dirijam para a superfície, isso parece ser uma descoberta. Mas a gravidade, ou seja, algo que depende do conceito de força e que pode ser descrita segundo a equação matemática de Newton, que diz que essa força é diretamente proporcional às massas envolvidas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre as duas massas, isso é uma invenção.
Mas, então, como ficamos?
Um modelo matemático que queira descrever acontecimentos, como a “Gravidade de Newton”, pode querer substituir o modelo da física de Aristóteles, que dizia que o Sol poderia atrair um planeta como o amado faz em relação ao amante, que o atrai pela paixão, sem se mover porque, afinal, sendo o amado, não está apaixonado. Competições entre modelos. São invenções, portanto. Dependem de construções semânticas. Sem a linguagem ou as linguagens, não existiriam.
A filosofia atual tende a abandonar a distinção invenção/descoberta, exatamente por que não faz sentido dizer algo de alguma coisa senão criando um vocabulário, e só na criação do vocabulário é que, de fato, esse algo pode efetivamente existir. Pois existir não é existir simplesmente como “o que é”, mas como que tem funções, características, qualidades etc. Em outras palavras: nosso campo linguístico, semântico, nos dá o nosso mundo, e nosso mundo não é um simples meio ambiente, é também uma construção nossa, que só nos faz sentido junto de nossa linguagem. O limite da minha linguagem é o limite do meu mundo, disse Wittgenstein.
Quando abandonamos essa perspectiva de Wittgenstein, o que nos resta é voltar à perspectiva de Kant: há a coisa-em-si, não descrita, impossível de ser acessada e, por isso mesmo, não atingível pelo nosso vocabulário – pois, volto a dizer, um vocabulário, uma linguagem, não é só nominar, é descrever funções, qualidades etc. Ora, se voltamos para Kant e passamos a falar do que é descrito pela nossa linguagem, de um lado, e de outro sustentamos o misterioso reino do que é em si, o que ganhamos? Nada! Acho até que perdemos. Ficamos com uma dualidade sem função alguma. Ou seja, passamos a interpretar a linguagem como “mera linguagem”, algo que se acoplaria ao real sem, no entanto, encostar nele. Isso seria perpetuar os mistérios insolúveis que Schopenhauer e Hegel insistiram, corretamente, em ver na filosofia de Kant.
A verdade não tem que ser qualificada mais como inventada ou descoberta, apenas como uma propriedade de enunciados. Como em geral fazemos em filosofia analítica: “O gato está sobre a mesa” é verdadeiro se e somente se o gato está sobre a mesa. Essa é uma frase objetiva e, como tal, logicamente sempre verdadeira. Em termos lógico-linguísticos, não faz sentido dizer que ela é inventada ou descoberta".