O Roubo do Pensamento
Quantas vezes já nos deparamos com a constatação de que, diante de exércitos poderosos, comandados por “reformadores incandescidos pela fúria sagrada”, seus inimigos deixavam de ser tidos como objeto da simples derrota para serem “vistos como aqueles cuja própria existência ofendia a Deus”? Condições em que, na condição de salvadores, tais exércitos tinham a proposta de “erradicar do mundo a impiedade e a heresia”?
Esses conquistadores seriam partidários da concepção totalitária da verdade. Isto é, nada poderia ser contrário ao que eles professavam.
A Inquisição, comandada pela Igreja Católica, foi um exemplo desse tipo de radicalismo e intolerância. E não menos exemplares foram as ditaduras implantadas no chamado Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, principalmente) onde, por orientação ou imposição estrangeira, os socialistas e comunistas eram considerados execráveis e indignos de terem uma teoria própria a respeito da organização social. Como na Inquisição, não se podia pensar de uma forma diferente da estabelecida.
O mesmo fizeram, e continuam fazendo, com o índios. Bem depois dos maias, dos astecas, dos incas. Pelo desrespeito à sua religião, aos seus territórios, seus modos de viver e até mesmo à sua língua.
No Brasil, acabou-se praticamente com os índios como com as malhas ferroviárias. Talvez por considerarem-nas duas tralhas. Não tendo havido o menor interesse nas suas preservações.
É próprio do homem o assalto do pensamento. Ou o seu impedimento. Em favor do que pensa o conquistador, o mais forte ou poderoso. Ou o que se autoproclama como o difusor de ensinamentos bíblicos ou divinos. Que não devem ser contestados. Muitas guerras têm esse apelo.
Essa subtração do pensamento parece que ocorre hoje de forma subliminar. Com a contribuição decisiva do consumismo. No favorecimento da inibição da nossa capacidade de raciocínio. O nível exacerbado de consumo pode nos levar à subjetiva ideia de que tudo já está feito, produzido. Tudo já foi alcançado. Ou, no máximo, será sistematicamente aperfeiçoado, a partir de padrões ou sistemas já conhecidos. Precisamos apenas de ter meios de adquirir os bens que nos são disponibilizados.
Alguns loucos se dedicam a invenções. Mas são poucos. E se acabam famosos, não vão escapar ao consumo. O consumo da melhor moradia, de objetos mais requintados, luxuosos, ou mais apropriados à continuidade de suas invenções. O consumo da imagem. E da sua decorrente lucratividade, etc.
Essa é também uma forma despótica de domínio. Cuja negação ou contestação significam heresia. Só mesmo admissível nos verdadeiramente considerados loucos. Doentes que estão impedidos de desfrutar do “saudável” convívio social. Os únicos de quem não se pode ainda roubar o pensamento.