A ditadura da (suposta) beleza


Rosto perfeito, sem manchas, rugas ou marcas de expressão.
Olhos brilhantes, lábios cheios, nem um fio fora do lugar...
O corpo? Um desafio à gravidade e a passagem dos anos.
Senhoras de 70 anos exibem a silhueta perfeita obtida a base de muita água, dieta e musculação.
Homens para lá da meia-idade com músculos saltados e tanquinhos inexplicáveis sem nenhuma gordura corporal.
Bronzeados inimagináveis, homens e mulheres de beleza estonteante... Fica a pergunta: alguém já viu um desses andando por aí? Já encontrou na praia, no shopping, no supermercado?
Eu nunca. Também nunca procurei porque acredito tanto nisto quanto no coelhinho da páscoa.
Mas é interessante pensar sobre a mudança radical que houve nos padrões físicos nas últimas décadas.
Basta lembrar dos heróis ... O Tarzan (Ron Ely) era um cara alto, magro, quase sem músculos. O Batman (Adam West) usava uma roupa estranha e tinha até uma barriguinha e o Hulk era um cara de verdade (Lou Ferrigno).
O padrão de beleza também mudou. Minha mãe queria ter o charme da Sophia Loren, os olhos da Elizabeth Taylor ou a elegância da Audrey Hepburn, que, a meu ver eram mulheres belíssimas, porém reais, de carne e osso.
Hoje as coisas estão um pouquinho diferente. Os mesmos atributos já não são suficientes; queremos corpos esculturais, rostos de bonecos, curvas perfeitas que nem tirando alguns pares de costela conseguimos.
A ditadura de corpos impossíveis mudou tanto que outro dia vi a foto de uma “modelo” cujo quadril era menor que os ombros... Impressionante!
O problema de campanhas publicitárias como a da tal modelo, não é apenas estar repleta de mal gosto, (porque vamos ser sinceros, o que há de atraente em uma mulher de 1,80m e 53 kg?), mas sim na afirmação de que aquele padrão é sinônimo de beleza e tudo que foge a ele é anormal.
As revistas estão aí para provar. Se você não for parecida com aquela super mulher que não tem nem um grama fora do lugar, você está perdida, minha amiga! Trate de comprar o creme, tomar a pílula, encontrar o melhor cirurgião plástico e jogar o photoshop nas suas fotos. Em todas! Porque vai que algum parente desavisado publica algo sem você saber no facebook.
A distorção é tamanha nos modelos masculinos e femininos que nos empurram goela abaixo como padrões de beleza, que o Photoshop já virou alvo de campanhas que alegam “danos sociais” pelo uso indiscriminado do editor de imagens.
A lei da “Autoestima”, proposta por uma instituição não governamental americana, exige, dentre outras mudanças, a regulamentação dos retoques digitais de atores, modelos, atrizes e celebridades em campanhas publicitárias. Propõe, também, que o consumidor seja alertado sobre a manipulação da imagem e sobre os reais efeitos dos produtos anunciados.
A Inglaterra foi pioneira na proibição de campanhas enganosas onde atrizes e modelos exibiam rostos jovem e perfeitos na divulgação de cosméticos da marca L’Oreal. A foto original mostrava as mesmas mulheres com as marcas reais e próprias de quem está na faixa dos 40.
Em pesquisas realizadas pela fundação americana Dove Self-Esteem, 80% das mulheres não estão satisfeitas com a sua imagem em decorrência da beleza irretocável de modelos e atrizes.
Da mesma forma, mais de 70% das meninas apresentaram insegurança por causa da perfeição das estrelas e das modelos.
Portanto, a lei seria uma forma de minimizar os efeitos produzidos pelas imagens de pessoas irreais, bem como reduzir os problemas físicos e psicológicos (leia-se baixa autoestima, bulimia, anorexia, depressão, falta de aceitação, distorção da imagem etc,.), principalmente em adolescentes, obcecados pela busca da imagem corporal perfeita manipulada digitalmente.
O fato é que nunca se viu tanto chamado para a juventude e beleza como nos dias atuais.
Nas revistas estampadas em gôndolas de supermercado, 95% fala de dieta, perda miraculosa de peso, quem “enxugou” tantos quilos, detox, alimentos que queimam gordura, outros que rejuvenescem e por aí vai. Fora os anúncios que nos transformam em deuses e deusas, o resto destas capas fala de sexo, como se dar bem com ele/ela, dicas de baladas, moda e fofoca de famosos. Incrivelmente nenhuma fala de relacionamentos estáveis, família, educação, cultura, espiritualidade.
Caindo no clichê que não deixa de ser verdadeiro; o corpão ganhou da inteligência, do pensamento , dos valores e até das emoções.
Não sobra tempo para pensar, exceto no último lançamento do pote mágico de fazer senhoras de 60 parecerem de 30.
Vou dar uma notícia triste: isso não existe.
O tempo passa para todos. Podemos até postergar algumas coisas, mas um dia, todos, sem exceção, perceberão que a velhice chegou e que nem com 2000 ml de silicone o corpo tem solução.
Mas nem tudo está perdido. Há pessoas que já acordaram para esta nova religião da aparência e buscam saúde e qualidade de vida sem serem escravas de fórmulas mirabolantes, programas malucos de academia ou imagens distorcidas e inalcançáveis.
São estas pessoas que curtem as rugas reais de uma vida bem vivida, que adoram e exibem com alegria as marcas de expressão de sorrisos e de lágrimas de emoção. Que não se preocupam com a barriguinha ou com a flacidez natural da passagem dos anos. São elas que colocam chinelos, roupas largas e curtem livremente os dias de sol na praia.
Pessoas belíssimas que são amadas e se amam do jeito que são.
Normalmente estão gargalhando, usando o que gostam, livres da ditadura da moda e mesmo assim, profundamente desejados por seus parceiros e parceiras que os acham maravilhosos.
Que delícia ver gente assim.
Nestas eu acredito. Mas eu também acredito em livros, em boa música, em educação.
Já em coelho da páscoa... bem, nunca vi um destes andando por aí, alguém já viu?
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 05/08/2014
Reeditado em 06/08/2014
Código do texto: T4910933
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