AS GREVES

Na história de Roma consta que, pelo século IV a.C., os plebeus fizeram uma greve contra os patrícios. Os plebeus plantavam e trabalhavam, abastecendo a cidade; patrícios eram os políticos, os burocratas e os ricos em geral.

Nesta greve histórica, os plebeus se retiraram da cidade de Roma. Negavam-se a trabalhar para os patrícios, e deixaram de fornecer-lhes alimentos. Os patrícios, ardilosamente, suplicaram aos plebeus que voltassem a abastecer Roma. Pois a sociedade era semelhante ao corpo humano, com diversos membros. Os patrícios correspondiam ao estômago, e os plebeus aos outros membros. Então, se o estômago ficasse fraco, sem alimentos, todos os outros membros também enfraqueceriam. Como consequência, todo o corpo (social) entraria em colapso.

E conta a história que, com este argumento, os patrícios conseguiram convencer os plebeus a suspenderem a greve. Será que hoje, 2.400 anos após esta greve dos plebeus em Roma, argumentos análogos aos dos patrícios ainda poderiam ser usados para diminuir, ou prevenir, as greves que constantemente nos envolvem?

Penso que as greves de hoje tem motivações múltiplas, e nossa sociedade não é apenas biclassial, resumindo-se a plebeus e patrícios. Contudo, fundamentalmente, os plebeus de hoje correspondem aos trabalhadores na agricultura, na indústria, na educação e nos serviços subalternos; patrícios são os empresários, os políticos, os burocratas de alto escalão, os magistrados e os mandatários em geral.

Com certeza, os patrícios de hoje já não convenceriam os plebeus grevistas de hoje com o argumento de que eles são o estômago do corpo social, e os plebeus os membros, dos quais o estômago precisa para fortificar o corpo como um todo. Isto, primeiramente, porque os trabalhadores, os membros, têm a consciência de que o “estômago” de nossa sociedade está cheio de lombrigas, que sugam a energia do restante do corpo. Para que este estômago conseguisse produzir a energia suficiente, para um corpo saudável, seria necessário que se receitasse aos “patrícios” um potente óleo de rícino, capaz de expulsar a podridão que extenua o organismo atrofiado, por suas enormes lombrigas.

Quando eclode mais uma greve em nosso tempo, que, muitas vezes, nem mais intranquiliza as lombrigas, mas prejudica os membros “plebeus”, pergunto-me: Não seria possível prevenir as greves? Claro, greves não acontecem apenas no Brasil. Inclusive, esta semana, os noticiários informam de que há greves em Paris. Mas, quando examinamos a necessidade de greves, verifica-se que elas acontecem porque os patrões, sejam eles públicos ou privados, não as previnem. Tanto os governos, como as empresas, deveriam ser obrigados a formarem comissões que, constantemente, examinassem o grau de satisfação dos trabalhadores. Esta satisfação, ou insatisfação, depende de salários justos e suficientes para uma vida digna do trabalhador. Quando estas condições não são respeitadas, nem houve negociação, eclodem as greves. E greves com motivações justas são constitucionais.

Pela quantidade de greves em nosso país, qualquer ser racional sabe que não houve cuidados preventivos, por parte dos “patrícios” para evitá-las. E isto deveria ser considerado crime contra o bem comum.

Em tempos idos, quando fazia o meu doutorado na Alemanha, admirei-me sumamente com este país desenvolvido, pois, durante os cinco anos de meus estudos, apenas ocorreu entre os trabalhadores uma única greve de meia hora. Durante meia hora trabalhadores do Vale Industrial do Ruhr fizeram greve, permanecendo nas fábricas, mas cruzando os braços.

Provavelmente, hoje, também nesta região, há greves mais frequentes e mais agressivas. Mas, com certeza, ainda raras, pois os “patrícios” de lá são mais prevenidos, justos e organizados, com uma consciência social mais humanitária.

As tantas greves e protestos no Brasil são um sintoma da falta de justiça social. Os nossos “patrícios”, preferem que suas “lombrigas” estejam bem alimentadas, enquanto os “plebeus” permaneçam anêmicos, sem energia vital, e se prejudiquem a si mesmos. E isto é vergonhoso!

Inácio Strieder é professor de Filosofia- Recife-PE