Tudo Dominado
Em 1971, época do desaparecimento do deputado Rubens Paiva, vítima da ditadura implantada pelos militares em 1964, as entradas dos edifícios não eram cercadas por grades. Os logradouros não eram obstruídos por cancelas com guaritas. E não havia câmaras nas ruas, avenidas, ou penduradas nos muros das casas ou prédios. Apesar da existência de “terroristas”, como eram chamadas as pessoas contrárias ao regime, envolvidas em ações armadas. Regime, esse, sim, muito mais terrorista, porque institucionalizava a tortura e o desaparecimento de pessoas sem que fossem permitidas averiguações ou investigações.
Hoje, quando consideramos superado o período ditatorial, embora não esteja totalmente erradicada a mentalidade dos favoráveis a esse abominável regime, as pessoas vivem em prédios cercados por grades, dotados de câmeras e com um controle maior do acesso a estranhos. O que não é garantia de segurança. Nos ônibus também existem câmaras para a gravação de assaltos ou outros atos de violência que, apesar de tudo, não deixam de ocorrer.
Podemos perceber que a doutrina da Segurança, um dos pilares de sustentação do regime ditatorial, em nada contribuiu para que vivêssemos hoje melhores dias. O que se deve também, é claro, à concentração da riqueza nas mãos de uma parcela mínima da população, aos bolsões de pobreza nos grandes centros e no interior, ao analfabetismo e a todos os males a que já estamos habituados. E que não puderam ser amenizados pelo regime de força implantado a partir de 1964, apesar da alta concentração de poder com que puderam contar.
Notamos, portanto, que, enquanto o crime caminhou e se fortaleceu, a ponto de se tornar muitas vezes compensador, a legislação destinada ao seu combate não se desenvolveu da mesma forma. Os militares passaram 21 anos cassando comunistas, esquecendo-se de priorizar o desenvolvimento do país, visando à redução da distância entre os mais abastados e os que continuam a nada ter, a parcela maior do povo brasileiro. O que poderia ter se constituído num combate à criminalidade.
Por outro lado, observa-se certa estagnação do Judiciário. O que se pode creditar, de certo modo, à ditadura, período durante o qual a Justiça foi quase que peça decorativa. Fato que favorece, como favoreceu, a impunidade. Com a qual é flagrante a nossa convivência nos dias de hoje.
Restituído o poder aos civis, estes também muito pouco conseguiram em termos de redução dos níveis de pobreza, de analfabetismo, de saúde, de moradia, etc. Por estarem muito mais preocupados em se manterem no poder. Para onde se dirigem, na maioria das vezes, buscando o favorecimento pessoal. Há políticos que foram simpáticos aos militares, chegando com a anuência deles ao cargo de maior relevância no país, e ainda hoje continuam no desempenho de importantes funções públicas.
A grande dúvida da sociedade brasileira poderia estar relacionada ao que acontecerá dentro de mais 20 anos. Terá o país condições de ser reconhecido como uma nação em que se sinta contemplada grande parte do seu povo? Ou teremos nós que estabelecermos algum tipo de relação com o crime organizado, ou com criminosos, para que possamos sobreviver?
Rio, 11/05/2014