HISTÓRIAS SILENCIADAS

Quando nos anos 60 do século passado a CNBB iniciou as Campanhas da Fraternidade, indicou como objetivo principal levar todos os anos, no período que antecede a Páscoa, ao debate nacional um tema social atual relevante no Brasil.

Neste ano de 2014 o tema proposto é o “Tráfico de pessoas”. Embora este assunto tenha sido, e seja, um crime hediondo em toda a humanidade, não me parece que ocupe, no momento, um lugar primordial na hierarquia das tragédias sociais em nossa sociedade. Não quero, com isto, desmerecer a importância do tema da Campanha da Fraternidade deste ano. Pois, a consciência sobre o tráfico de pessoas é indispensável a todo cidadão brasileiro. Embora não afete, hoje, diretamente e sentimentalmente a todos nós como indivíduos, é necessário ter a consciência histórica de que o Brasil é resultado do hediondo tráfico de pessoas, que perdurou séculos. Esta memória é indispensável, pois “um povo sem memória, é um povo sem história”.

Os fatos históricos, que nos antecederam, são fósseis. Não fomos nós que os causamos, nem podemos modificá-los, embora não existíssemos se não tivessem sido como foram. Mesmo assim, a memória histórica, para muitos, permanece uma “memória perigosa”, pois pode-nos revelar fatos odiosos, cujas consequências mexem com nossa autoestima individual ou coletiva. Por isto varremos para o subconsciente histórico muitos acontecimentos desonrosos, e preferimos silenciar grande parte do que verdadeiramente ocorreu.

Sem dúvida, é fundamental refletir sobre a tragédia e a maldade do tráfico de pessoas, dos sequestros, das abduções, dos raptos, da captura, da escravização, das migrações forçadas de pessoas, que ainda hoje ocorrem pelo mundo. Isto ocorre, especialmente, em zonas de guerra, de conflitos culturais étnicos e religiosos, em regiões de pobreza e miséria, por interesses econômicos ou simplesmente por barbárie e desumanidade.

Para superar o tráfico de pessoas não bastam campanhas. É necessária uma constante advertência e atitude civilizatória. Para isto, além de chamar a atenção para o que ocorre hoje, não podemos esquecer o que ocorreu no passado, expondo nua e cruamente o que o pudor de alguns ainda considera “memória perigosa”. Nada do que ocorreu de significativo na história, e do que está ocorrendo, deveria ser silenciado e permanecer escondido. Por isto, além de refletir sobre o tráfico de pessoas em nosso tempo, não esqueçamos os milhões de pessoas arrancados de seus lares, de suas famílias, de suas culturas no passado.

Inácio Strieder é professor de filosofia