A INDISPENSÁVEL VERDADE

Quando Pilatos se encontrou com Jesus, antes de condená-lo, ele perguntou ao Mestre: “o que é a verdade”. Jesus se calou. E a pergunta de Pilatos, até hoje, continua sem resposta definitiva, embora a antropologia defina o ser humano, como um ser em busca da verdade. No caso de Jesus, ele não teria respondido a Pilatos porque ele mesmo se havia declarado o Caminho, a Verdade e a Vida. Os seus discípulos sabiam isto.

O filósofo grego, Aristóteles, no IV século a.C., definiu a verdade como sendo “a adequação do intelecto ao objeto”. De acordo com esta definição, os objetos e os acontecimentos sempre são verdadeiros, o que é falho é a nossa compreensão deles.

Por exemplo, na compreensão de Aristóteles, não existe ouro falso. O ouro é ou não é ouro. Se nós denominamos algum metal de ouro, quando não é, isto acontece por nossa ignorância. O equívoco está na nossa cabeça e não no objeto. Da mesma forma, quanto aos acontecimentos. Os acontecimentos permanecem como ocorreram, eles podem ser mal interpretados por nós. Novamente, o equívoco não está no acontecimento, mas em sua interpretação.

De fato, durante toda a vida estamos querendo saber o que é verdadeiro. Inclusive, a ciência é um empreendimento que está em busca de verdades não óbvias, tanto na natureza como na sociedade. No denso nevoeiro da sufocante e abundante informação, a liberdade de expressão garante que também verdades não populares sejam comunicadas, debatidas e melhor avaliadas.

Segundo a compreensão da filosofia moderna, a verdade é unívoca, objetiva, imutável, invariável, livre de teorias e ideologias; transparente, universal, eterna, última, absoluta; a verdade também deve ser possível de ser pesquisada, acessível, atingível, cognoscível, compreensível, verificável, não fabulosa e comunicável. Isto nem sempre é fácil. Qualquer uso do conceito “verdade”, que não satisfaça uma, ou mais, das características acima indicadas é falho e não confiável.

O conceito de verdade, acima exposto, é criticado pelos filósofos pós-modernos em nossa época. Segundo estes, em nosso tempo, a civilização se encontraria em uma nova fase: a fase pós-moderna. Na pós-modernidade, a compreensão “politicamente correta” da ideia de verdade, seria diferente da compreensão na época moderna.

Para a pós-modernidade a verdade é subjetiva, relativa, paroquial, efêmera, transitória, teórica, ideologicamente dependente, falsificável, improvável, mutável, variável, surreal, não testável, não cognoscível, incompreensível, inefável, transcendental, ultramundana, sem sentido, incoerente, inatingível e incerta.

Na modernidade supera-se agnosticismos e ceticismos radicais, e se aceita que verdades comprovadas produzem certezas racionais e definitivas. Mesmo com esta convicção, os filósofos e cientistas modernos respeitam “um saudável grau de ceticismo”, ao lado do “indispensável grau de certeza”.

A proposta pós-moderna tem o mérito de nos alertar frente a dogmatismos radicais e a fundamentalismos dogmáticos, que não admitem questionamentos em relação a supostas “verdades” mediadas pela história. O sábio e o cientista de hoje deve ser humilde frente ao que considera verdade, pois em toda certeza humana sempre haverá um grau de incerteza. Isto vale tanto para as ciências físicas, como para as ciências sociais. E, principalmente, para a linguagem (e os dogmas) religiosa e teológica!

Não basta apenas afirmar que algo é verdadeiro, é necessário examinar o “verdadeiro” em função da “realidade”. Para a prática científica, e para o conhecimento em geral, é indispensável aproximar os conceitos de “verdade” e “realidade”. Quanto mais uma teoria se aproxima da verdade, tanto mais provável será a sua efetividade.

A Era pós-moderna nos ensina que devemos ser humildes em relação ao que afirmamos ser verdade. Pois, embora tenhamos conhecimentos verdadeiros, estes conhecimentos continuam emoldurados por inverdades. Tudo que afirmamos ser verdade deve ser examinado criticamente. O que conhecemos é uma parcela mínima do que não conhecemos. Mas, mesmo diante de tudo que não conhecemos, o ser humano se frustra e se aliena, caso não se empenhe em se abrir para possíveis verdades.

Inácio Strieder éprofessor de filosofia – Recife/PE