Cavalos e burros
CAVALOS E BURROS
Ao invés de priorizar coisas mais importantes, nossos legisladores tupiniquins resolveram se invocar com problemas menos relevantes, como a retiradas das carroças das ruas. Se o problema é a mobilidade urbana e o atravancamento dos logradouros de nossas cidades, as providências deveriam apontar para problemas mais graves, como ruas estreitas, calçadas perigosas que se convertem em verdadeiras armadilhas, estradas esburacadas, mal sinalizadas e tantas sequelas que merecem uma atenção mais efetiva, o que geralmente não tem ocorrido.
Agora os áulicos do poder decidiram investir contra as carroças que fazem transporte de coisas nas grandes cidades. E o dramático dessa investida desastrada não atinge tão-somente as carroças, mas também os carroceiros, uma infraestrutura que está por trás deles, e também dos reflexos sobre um significativo rebanho de equinos, cujo destino passa a correr um ponderável risco.
Eu escutei um dos defensores desse estapafúrdio projeto, defendendo a estética, afirmando que é feio uma cidade cheia de carroças, que dão uma impressão e “terceiro mundo”, além da sujeira natural das fezes dos cavalos. Vamos por partes: primeiro, feio é uma sociedade que não dá chances de sobrevivência aos seus cidadãos, especialmente os mais humildes; depois, não sei em que país vive esse político elitista, afinal, nós não vamos parecer “terceiro mundo”: nós somos terceiro mundo. E, por fim, se vamos condenar a sujeira dos cavalos, teremos que proibir desfiles militares da cavalaria, cavalgadas e piquetes de tradicionalistas, etc.
A maioria dos condutores das carroças trabalha como papeleiro, reciclando papelões recolhidos, que se torna uma efetiva fonte de renda para muitos moradores de periferia, especialmente, em Porto Alegre, o pessoal que reside nas ilhas do Guaíba. Ora, considerando a faixa etária De muitos desses profissionais, é difícil para eles, depois de uma certa idade, mudar de atividade e recomeçar em outra área. Há que se considerar também a função ecológica dos papeleiros, sem cujo recolhimento de materiais, acarretaria acumulo de objetos inservíveis e lixo.
O projeto dos luminares prevê a substituição das carroças por umas geringonças motorizadas, a exemplo das usadas em Tóquio. Até aí tudo bem. Tudo bem não! Como é que um carroceiro, muitos deles analfabetos vai obter habilitação para dirigir um carrinho motorizado? De cem pessoas, no máximo cinco seriam aprovados. Vão resolver um problema “estético” e criar um social, sem precedentes.
É como dizer, parafraseando a decapitada Maria Antonieta, “se não tem carroças, andem de furgão”.
E os cavalinhos que puxavam as carroças? Por muitos anos eles prestaram serviço, sacrificados pelo peso das cargas e pelo chicote do apressado condutor. Não só os papeleiros vão perder o emprego, mas também os animais vão ficar no desvio. O que vai ser deles? Vendidos às fábricas de salsichas? Abandonados? Sacrificados “em nome do progresso”? Essas leis feitas por alguns burros vão prejudicar muitos cavalos.