CRIANÇA E INFÂNCIA
Sônia de Fátima Machado Silva
Amanhã é dia da criança e penso que é uma data importante para rever e refletir as noções que temos sobre criança e infância. E até fazer comparações com o passado e o presente. Eu, por exemplo, não tinha refletido sobre as noções de criança e infância até que o curso de Pedagogia me ensinou algumas coisas. Aprendi, por exemplo, que o conceito de criança na Antiguidade e na Idade Média não existia. Na Idade Média, por exemplo, a criança não era distinguida do adulto. Era considerada como um adulto em miniatura e sendo assim, tratada como adulto. Até vestia-se igual ao adulto e não era poupada nem dos assuntos de gente grande. Na verdade, segundo, o que compreendi em meus estudos, essa questão de idade não tinha uma significação especial para as pessoas medievais. Quando as crianças completavam sete anos geralmente eram afastadas da família para aprender ofícios com outras famílias, muitas vezes desconhecidas. Essa aprendizagem fora do domicílio era uma forma de educação da criança que a tornava mais forte para aturar os revezes da vida. Antes disso, dos sete anos, eram praticamente ignoradas e às vezes até tratadas sem pudor. Havia muito infanticídio e muita mortalidade infantil, revelando o descaso com que as crianças eram tratadas. Na verdade elas só eram valorizadas a partir do momento que podiam contribuir com o trabalho. A sua morte, por exemplo, não gerava muito sentimento ou desespero.
Foi somente a partir da Idade Moderna que a criança começou a ser vista como um ser social e começou também a ganhar um papel diferente e especial nas relações familiares e na sociedade, ganhando mais respeito e, inclusive sendo reconhecida sua identidade própria, ou seja, a criança é um ser diferente do adulto. Surge o sentimento de infância que não existia antes, ainda que um pouco distorcido, pois a criança era vista como objeto lúdico dos adultos e dessa forma paparicada. Ao mesmo tempo existiam os intelectuais e pensadores que acreditavam que a infância era uma fase tenebrosa e que as crianças eram seres símbolos da força do mal e precisavam serem moldados. Nesse sentido, a escola entrava como um meio para fazer esse molde.
Apesar desse dualismo, aos poucos, a criança vai ganhando centralidade na família, inclusive como objeto de investimentos, sejam eles educacionais e até mesmo econômicos. O fato era que a criança ia ganhando mais atenção, sendo um ser digno de preocupação também pelo Estado, especialmente as crianças delinquentes ou carentes. Surgiu enfim o Estatuto da Criança.
Desse modo a infância foi se afirmando como uma construção social e, nos momentos atuais, pode-se dizer que a criança parece se situar como um ser que tem seu lugar na sociedade. Um sujeito que, inclusive, tem vontades próprias. Um sujeito de direitos. É exigente, questionador... É capaz de subverter a ordem das coisas... É um sujeito que movimenta o mercador consumidor, midiático...
O que a gente percebe é que, a ideia de criança e infância foi construída culturalmente ao longo do tempo conforme o pensamento e as necessidades e mudanças sociais de cada momento histórico. Hoje a infância é, portanto, reconhecida como um grupo histórico e cultural e como tal, participa ativamente na construção de sua própria história.
O que vemos então é que, muito foi conquistado ao longo da história das crianças, pelo menos de forma aparente e, é ai que reside o perigo a meu ver: essa nova percepção da criança e da infância que muitas vezes nos faz fechar os olhos aos reais problemas e realidades que envolvem nossas crianças de hoje, pois, apesar da noção de criança e infância ter se transformado, podemos perceber muitas crenças e práticas antigas com relação às crianças de nosso tempo como é o caso da exploração do trabalho infantil, do abandono...
Hoje percebemos que as contradições e desigualdades que envolvem as nossas crianças são muitas. É o outro lado da condição social da infância contemporânea ao qual muitas vezes fechamos os olhos. O que vemos nessa sociedade globalizada? crianças vítimas da fome, abandono, maus-tratos, pedofilia, prostituição infantil, tráfico, exclusão e outras tantas barbáries...
Diante disso, é preciso pensar no sujeito de direito que a sociedade e a cultura criaram: direitos esses que, nem sempre são respeitados. E então precisamos nos perguntar: qual é a noção de infância que temos hoje quando muitas crianças parecem não vivê-la plenamente? Será que não somos nós adultos que descaracterizamos essa fase tão importante na vida da criança já que preocupados com o futuro e com a vida, esquecemos-nos desse serzinho que não exige nada mais que viver o seu tempo? Será que não é vivendo plenamente esse seu tempo que a criança se tornará um adulto melhor, capaz de criar e até transformar o mundo?
Pensemos...
Que Deus abençoe nossas crianças.
Deus é alegria. Uma criança é alegria. Deus e uma criança têm isso em comum: ambos sabem que o universo é uma caixa de brinquedos. Deus vê o mundo com os olhos de uma criança. Está sempre à procura de companheiros para brincar.
Rubem Alves
Rubem Alves
(Artigo baseado nos conhecimentos adquiridos no meu curso de Pedagogia)
( Imagem: google)