Amor e perdão

AMOR E PERDÃO

A palavra amor está banalizada. Usa-se esta palavra para as coisas mais descabidas, como gostar de sorvete (os americanos dizem I love it), apreciar um filme (amei...) paixão clubística ou outras circunstâncias. Há dias, escutei a entrevista de uma prostituta, na qual ela informava ao entrevistador que, nos dias de “boa safra” chegava a “fazer amor” com cerca de vinte clientes. Ora, convenhamos, ela faz sexo, não amor.

Amor fazem as pessoas que se amam, e não as que fazem do sexo um comércio. A coisa complica quando agregamos à palavra amor, outros qualificativos. É o caso do “amor próprio”. Ah, coisinha desagradável é ver alguém em surto de amor-próprio em exagero! É o mesmo que gente com excesso de ego, daquele tipo de precisar duas cadeiras: uma para si e outra para o ego.

Santa Teresa de Ávila († 1582) diz a seus leitores que “desapareça do meio de nós o amor-próprio e teremos feito desaparecer o inferno”. Nesse aspecto, certezas absolutas pertencem ao ignorante ou ao fanático. Em tempos de festividades judaicas, ouviu-se seus místicos convidarem as pessoas – no período do Yom Kippur – a se abrirem ao auto-exame, onde cada um questione sua capacidade de perdoar e assim passar por cima de ofensas e injúrias.

Criados à imagem do Criador – e aí se fixa a reflexão dos rabinos – é dado às pessoas a capacidade de emitir julgamentos sobre a conduta dos demais. O ato de perdoar é capaz de transformar morte em vida. Quando o julgamento bane a vingança e traz o perdão, nos aproximamos da vida. O perdão como uma das virtudes mais difíceis de serem colocadas em prática, justamente por causa do amor-próprio ferido.

É comum, diante de certas circunstâncias dramáticas, escutar sentenças do tipo “Isto eu não perdôo nem com a morte” ou, “perdôo mas não esqueço”. Ora, se não esquecemos o mal sofrido, ele vai estar sempre à nossa frente. Isso equivale a não perdoar. Assim como o amor que leva a perdoar e a apagar a ofensa, o perdão traz em si uma ponderável transcendência. Se de um lado, o aforismo popular diz que “errar é humano” e “persistir no erro é diabólico”, podemos contemplar com absoluta certeza que “perdoar é divino”.

Perdoar é simplesmente abrigar aquele que errou em seu coração, esquecendo suas faltas e relevando seus erros. É por isso que se diz que quem não souber perdoar não será perdoado. Essa questão está implícita na recitação da oração do Pai-Nosso. Numa das chamadas “parábolas da misericórdia”, o pai acolhe o filho que saiu de casa, com abraços, beijos, roupas novas e festa. Ele nem quis escutar a explicação ou as desculpas do filho. Apenas o acolheu, demonstrando que o havia perdoado. Não é lícito, porém, exagerarmos nossa capacidade de errar só porque existe alguém disposto a nos perdoar. Quando alguém se recusa a perdoar, num daqueles surtos de amor-próprio, é porque ama mais a si do que ao outro.

(Doutor em Teologia Moral, Filósofo e Escritor)