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O debate acirrado acerca da homossexualidade, em alta neste momento, está fora de foco. Centraram-o em questões científicas e religiosas, as primeiras inúteis e as segundas estigmatizantes. Além de discutir o sexo dos anjos, estão também a debater se eles existem ou não. Durma-se com um barulho desses. A verdadeira questão é a validade dos direitos civis para todos os cidadãos brasileiros.

É até constrangedor ver o termo “cura gay” afirmado por aí. Nem a psicóloga que no momento defende terapias para homossexuais que desejam aderir à heterossexualidade afirma que a homossexualidade é uma doença. A questão dela é outra. Homossexualidade existe desde que o mundo é mundo, em todo o reino animal, a espécie humana aí incluída. A ciência já esgotou esse debate. Não cabe aqui ser mais um a inutilmente chover no molhado a esse respeito.

Por outro lado, um sábio brasileiro já ensinou que “futebol e religião não se discute”. Gosto não se discute! Paixão e fé não indiscutíveis. Mas são particularismos, não podem ser universalizados. Imaginem só, colorados viverem numa nação onde o Grêmio fosse o time oficial do Estado, com todas as garantias civis, sociais e políticas derivadas do “gremismo”? Óbvio que seria um estado particular, sectário, totalitário e intolerante onde os colorados seriam segregados.

O estado laico e democrático foi uma construção histórica, um avanço. Pois a sociedade é multifacetada, multicultural, plural, e a tolerância e o repeito às diferenças de todo tipo devem ser a linha a dar coesão ao tecido social. Exatamente nesse ponto é que está a verdadeira questão a ser focada: como conceber uma sociedade democrática se permitimos que nela existam cidadãos alijados de seus direitos civis, como se cidadãos de segunda classe fossem?

Pois esse é justamente o caso do (a) homossexual que, mesmo pagando todos os impostos que qualquer outro (a) cidadão (ã) paga, ainda enfrenta problemas para casar e adotar, ou seja, para constituir uma família nos moldes tradicionais e usufruir de todos os direitos garantidos a essa. Não deixa de ser irônico: enquanto nós, heterossexuais, questionamos o modelo tradicional de família, os (as) homossexuais lutam por ela.

A Justiça já está resolvendo a questão, principalmente o STF, no sentido de uma interpretação constitucional favorável aos direitos civis da comunidade homossexual, enquanto o Legislativo não define de uma vez por todas esse tema. E isso, creiam, é uma questão de tempo. Assim como foi o caso do divórcio: o Brasil foi dos últimos países a legalizá-lo, mas o fez. E a família, enquanto base da sociedade, não acabou por causa disso.

Todos podem ter e expressar a fé ou a opinião que desejam, desde que ela não seja expressa como preconceito, pois daí é crime. Simples assim. Cada um pode ser o que deseja, desde que que não agrida, de qualquer forma, o outro. E a fé, especificamente, é algo tão diverso, até numa mesma religião. São tantas interpretações, inclusive acerca da homossexualidade (qualquer furungada no Google já o demonstra). Logo, debater esse tema pela via da religião é estigmatizar a fé a partir de determinados pontos de vista que, mesmo hegemônicos, não são absolutos.

Nós, brancos heterossexuais (estou escrevendo a partir dessa condição social), não sabemos o que é segregação e preconceito. A não ser quando pobres. Logo, devemos ser os primeiros a descer do muro e defender os direitos civis dos grupos segregados, dentre eles, os homossexuais, para que não tenhamos cidadãos presos dentro dos armários da vergonha, onde nós os obrigamos a ficar escondidos e enclausurados.

Texto publicado hoje no jornal Portal de Notícias: http://www.portaldenoticias.com.br