O músico, a gaita e os culpados

O MÚSICO, A GAITA E OS CULPADOS

A gaita, acordeom ou “cordeona” faz parte inseparável do equipamento do músico gaúcho. Nossa música – e o grupo “Gurizada Fandangueira” não fugiu desse contexto – tem na gaita o ponto alto de suas apresentações musicais. Um conjunto nativista, ou “banda” como chamam os modernistas, não pode prescindir desse instrumento, seja em solo ou em acompanhamentos.

A tragédia de Santa Maria nos revelou várias facetas dramáticas, entre elas a do músico que depois de haver fugido da boate, decidiu retornar àquele inferno de fumaça, desespero e fogo, para buscar sua gaita que ficara abandonada no palco. Pois o jovem voltou para resgatar o instrumento e não conseguiu sair mais, realizando um bizarro funeral com sua preciosa gaita.

O colunista Paulo Santana se reportou ao fato, afirmando que o jovem músico deu um valor ao acordeom equivalente à sua própria vida, perecendo com ele. Eu diria mais: Como alguém definha com a morte da companheira, o gaiteiro decidiu que não adiantaria sobreviver sem seu instrumento, daí escolher o caminho da imolação.

O episódio que chocou o país traz em seu bojo algumas conotações dramáticas das quais é possível levantar muitas dúvidas e poucas conclusões. Primeiro, a Prefeitura de Santa Maria e o Corpo de Bombeiros não chegaram a um acordo quanto à responsabilidade nem disponibilizaram à mídia a vista de alvarás e licenças, atuais ou pretéritas. A casa de espetáculos era uma verdadeira armadilha. Havia uma única porta de entrada e saída, os extintores não funcionaram, não havia hidrantes, mangueiras ou sprinklers, nem tampouco sinalização de emergência.

Se a boate estava funcionando de forma legal, então toda a legislação precisa ser modificada. Eu lembro o caso do “Bateau Mouche” no Rio; foi declarado principal culpado o piloto que morreu no acidente. Aqui talvez responsabilizem o músico que acendeu o artefato luminoso, que também morreu. Consternado, o povo clama por justiça. Será que teremos essa justiça depois que a tragédia deixar a primeira página da mídia? Saudade, como canta Chico, é arrumar o quarto do filho que já morreu...

Além disto, a questão da lotação é crucial no confronto com as vias de evacuação. Enquanto testemunhos falam em perto de mil pessoas, as normas da ABNT utilizadas pelos bombeiros falam em 690 pessoas. A quem caberia a fiscalização dessa superlotação? Entendo que se houvesse uma fiscalização efetiva e rigorosa, o sinistro poderia ter sido evitado ou minimizado. Ao que tudo indica, as tragédias do passado não serviram de lição para o presente. E não se diga que houve fatalidade. Fatalidade, ao contrário da negligência, é imprevisível e inevitável.

Com disse o poeta Carpinejar, aquela nuvem negra turvou nosso céu para sempre...