ensaios na imprensa

 

Antes de ser alfabetizado, mãe e avó materna me incentivavam a leitura e a escrita. Isso foi tão marcante que minha mãe ficou numa situação constrangedora quando berrei, esperniei até que uma tia-avó me deu o livro “História da civilização brasileira” de Pedro Calmon. Meus familiares sonharam que me tornasse professor primário, figura respeitada naqueles dias. O rádio era o principal meio de informação séria e entretenimento, principalmente aos moradores do interior. As programação das ondas médias era excelente, programas voltados para os aspectos particulares que o povo necessitava, música, genuinamente, do sertão, orientações para agricultores, noticiário político, música popular e radionovelas. Por mais interiorano que fosse o povo, Alma Brasileira (Abib Filho) foi um programa matutino de grande e interessante audiência. Gentilezas caipiras, apresentado por Comadre Dayse e Comadre Maria, investia na informação das senhoras e educava as crianças. Era vergonhoso levar “pito” nas manhãs da PRJ-2. O rádio de pilhas ficava ligada, quase o dia todo, inclusive a Voz do Brasil, enquanto se preparava a janta e recolhia as galinhas. Nos Campos Gerais, Nhô Jeca era o ídolo que representava a verdadeira música caipira. Na fixa das ondas tropicais haviam excelentes emissoras oriundas do interior de São Paulo, com programação musical de qualidade e alcance nacional, principalmente na frequencia de 90 e 120 metros. Presidente Prudente e Araraquara ofereciam as melhores. Se pela tarde, Nhô Jeca nos cativara, pela manhã, para acordar as crianças antes de ir para escola, Coroné Fidêncio era nosso mito, com aquele chato badalo para a hora certa. Alguns achavam que fosse coronel. Posteriormente, Nilson de Oliveira fez carreira e sucesso, graças ao apoio de Wallace Pina, na Rádio Difusora. Começava a deturpação do rádio tradicional, programação sensacionalista, policialesco, a moda Datena. Educação de vida e divertimento deixavam de ser valores cultivados nos microfones. Todos os moradores do sítio gostavam de pedir música e contar as alegrias e dificuldades de quem vivia no campo e da agricultura, espécie de conversa familiar e desabafo com o apresentador. Era como se os locutores fossem uma espécie de terapeutas, inclusive programas sentimentais, tentativas de reconciliação eram realizadas nos programas radiofônicos. Disso resultava o escrever cartas manuais, em folhas apropriadas, compradas nos armazéns do Edmundo, do Ivo Demiate ou do Seu Mário Menezes. As cartas eram postadas no postinho de correios do Seu Aquiles ou deixadas na Estaçãozinha, ia com o trem. Fui, então, o secretário da família. O formato das cartas, envelopamento e a postagem aprendi com uma prima, que sabia coisas de correio, Roseli Alves da Cruz. Começara o ofício sagrado de escrever e isso pautaria minha vida. Comemorávamos quando os locutores liam as cartas no rádio.

Desde cedo os professores me colocaram em contato com os jornais impressos. Ainda nas séries iniciais, a professora Lúcia Schafranski Werner, me presenteava, sempre, com edições do Diário dos Campos e O Estado de São Paulo. O primeiro “artigo” meu foi publicado num jornal protestante em São Paulo, de circulação nacional. Uma crítica apressada, unilateral, dogmática, nada filosófica, cheia de fanatismo e representava minhas vesgas leituras a respeito do espiritismo. Não reescreveria aqueles comentários. Era uma concepção autoritária, pobre e injusta, desumana ainda que em nome do amor. Antes disso participei em jornalzinho interno de Instituto em Curitiba onde estudava. Eram notas esquemáticas, preparadas com zelo, dedicação e pesquisa, mas dentro dos limites de uma formação que me aprisionava. Minhas concepções de vida mudam anos depois delas terem sido publicadas e não mais condizem com o novo homem que estou me tornando. Ficaram parte da história pessoal e psicológica de alguém que sempre acreditou na capacidade do ser humano de ser justo e solidário.

Foi Instituto de Educação Professor Cezar Prietto Martinez que me causaria um redemoínho nas concepções teóricas que, até então, sustentavam meu modo ingênuo de ver o mundo e as pessoas. Nessa época, foram fundamentais em minha vida, os professores, Elisa Silveira, Beatriz Kaiut Schmidt, Henriqueta Kubiak Tozetto, Oscar Furstenberg e Jefferson Mainardes. O despertar da nova consciência me leva a participar de programas de rádio, escrevendo sobre os conteúdos não me agradavam e procedendo assim com as matérias escritas na imprensa, esforçando-me para defender um grupo maior, que sempre julguei representar, ou fazer parte dele, as classes oprimidas.

Nunca imaginara escrevendo artigos e ensaios para a imprensa escrita. Isso tudo aconteceu depois que me pronunciei num incidente de final de ano envolvendo professor de jornalismo da UEPG. Ao fim do período, um grupo de alunos publicou manifesto desqualificando um dos seus professores. Acusavam-no de autoritário e injusto nas avaliações que os levara a reprovação. A nota estava publicada no Jornal da Manhã. Os acusadores corriam o risco de reprovação naquela matéria. Li e indignei-me. A denúncia e a reclamação só vieram à tona quando perceberam que poderiam reprovar. Me parecia que durante o ano, nada disseram, supondo que o professor para não ter conflitos os aprovaria automáticamente. Escrevia estas críticas à mão, na maioria das vezes, por timidez, enviava por fax, ou deixava debaixo da porta das redações, entre 21 e 22 horas. Essa carta me solidarizando com o professor universitário, que pessoalmente, não conhecia interessou ao jornalista Emerson Urizzi Cervi, que tinha assumido a chefia de redação do Jornal da Manhã, dando aquele diário o caráter de seriedade, metodologia e cientificidade ao jornalismo e a reportagem. O que foi o Jornal da Manhã antes de Emerson Cervi carecerá de cuidadosa análise dos pesquisadores e surpreenderá os estudiosos. O amadorismo e a mera descrição factual, espécie de estágio pré-jornalismo, marcavam o conteúdo, espécie de crônica e fofoca que notícia. Limites de uma região que não conhecera a teoria da comunicação e a influência de cursos superiores de comunicação social. Chefe de redação, Emerson Cervi, pediu que lhe telefonasse às 22 horas quando estaria em sua casa. Temeroso, pernas bambas e sem graça liguei, salvo engano, de orelhão. Gostaria de publicar a carta na forma de ensaio e adequações teriam que ser feitas. Retiradas aquelas frases comuns de cartas, concordâncias, emocionalismos, comuns de minhas correspondências, necessitavam tratamento. Era a seriedade do jornalista, preocupado com o leitor e com o autor. O tempo urgia e não permitiria devolução para correção. Se concordasse, o Chefe de Redação mesmo faria a revisão. Concordei. Mas precisa cuidados, uma das signatárias do artigo que atacava o professor, agora objeto da minha defesa, era amiga da família. Não queria transtornar a vida deles. Emerson Urizzi Cervi, sugeriu pseudônimo, explicando que é de praxe, que o autor assinasse o reconhecimento de que aquele pseudônimo era seu, questão de responsabilidade. Considerando importante a resposta que eu dava aos universitários e sabendo onde eu trabalhava e a seriedade do que eu escrevera, a importância do contraponto, e nossa conversa, confiaria em mim e publicaria, com pseudônimo, sem que eu tivesse assinado qualquer coisa. Ele escolheu o pseudônimo e o artigo saiu. Devo-lhe o primeiro pseudônimo e estréia na comunicação escrita, no campo das opiniões frequentes, que proporcionariam desenvolvimento intelectual, amadurecimento na esfera pessoal, moral e espiritual. O artigo teve repercussão carregada de paixão como seria de esperar. O Jornal da Manhã publicaria, posteriormente, outros comentários meus. Em fase posterior, mudanças ocorrerão na chefia de redação, figura de notórias convicções nazistas, me ignora, veta meus comentários e começo a constar em citações debochadas como “leitor”, “leitor indignado”, sem que estes tivessem contato com a totalidade dos posicionamentos que eu escrevia. Apesar da indiferença e dos vetos não deixei de enviar manifestações de discordâncias ou elogiando matérias de interesse social e político, quando julgava oportuno fazê-las, fosse a quem fosse.

Outra etapa, começará com a refundação do Diário dos Campos e dela falarei, oportunamente.

A escritora e poetisa, Maria Ines Cordeiro, me recordou alguns detalhes pitorescos dessa época. São eles, o “Reporter Esso”, cuja chamada acelerava o coração, principalmente quando da fase do golpe militar, quando se repetia a mentira de que poderia haver uma guerra civil em nosso país por causa dos comunistas, principalmente em 1968 quando o regime recrudesceu. As lutas em Santo Domingos. Lembramos também do sonoplasta Josué Martins, que tanto sucesso fazia entre o mulherio e do cuidado de sua esposa em preservar o seu “deus grego”. Das radionovelas, Direito de nascer, Irmãos Coragem, O egípcio, O amor vence a morte, Pupilas do senhor reitor.