Existe invisibilidade social no contexto cristão?

Em um contexto onde as pessoas trabalham e estudam durante a semana, fazem cursos aos finais de semana e se “atolam” de tarefas, é possível a falta de contato físico e afetivo até mesmo entre os membros de uma mesma família. Cada dia são mais aceitáveis os relacionamentos superficiais. Os sites de relacionamentos estão cada vez mais sofisticados e cada vez mais as pessoas ampliam seus ciclos de amizades. O grande problema está justamente nesse ciclo de amizades, que na verdade são amizades virtuais, conseqüentemente superficiais. Isso seria assunto para discutir em outro tema. O que quero ressaltar é o quanto nossas atividades nos afastam de sermos, no mínimo humanos, e consequentemente, verdadeiros cristãos.

Muitos andam pelas ruas parecendo corpos robotizados. Os pés sabem por onde passar, a mão sabe para qual ônibus dar sinal, o carro sabe o caminho a fazer, os olhos olham, mas não vêem nada. O pensamento permanece nas tarefas futuras ou nos problemas individuais. A luta é pela sobrevivência, para ser o mais apto, mais inteligente, mais forte, mais preparado, e aí vai a competição. De pessoas feitas à imagem e semelhança de Deus, passamos a ser apenas objetos para gerar lucros, para movimentar o mercado de consumo, para dar prazer ao outro, em outras palavras, passamos a nos “coisificar”.

“Coisa” é jogada fora, não tem valor, não tem utilidade. “Coisa” só serve para atrapalhar, ocupar espaço. “Coisa” não tem identidade. Não faz falta. Não sente, não vê, não fala e não ouve. “Coisa” é controlada pelo outro. Sofre violência. “Coisa” não tem defensores. “Coisa” não tem voz e não tem opinião. “Coisa” é coisa!

Aceitando-nos como “coisas”, é fácil “coisificar” o outro. Não medimos as palavras, não respeitamos o espaço, trazemos na fala a violência de gênero. Insisto na seguinte reflexão: Você já ouviu piadas com loiros ou sogros? Não! Porque há uma violência de gênero na nossa cultura e a alimentamos geração após geração.

Paralelo à “coisificação” do outro existe a invisibilidade social. É terrível quando vemos as pessoas andando pelas ruas, ocupadíssimas com suas tarefas, a ponto de não olhar para os lados, não notar as outras pessoas. A invisibilidade social faz com que pais não vejam seus filhos crescerem, mães não percebam o quanto suas filhas precisam de uma amiga, filhos não percebam que seus pais são mortais e estão sempre mais velhos que eles. A invisibilidade faz as pessoas perderem a última chance de um abraço, de um carinho, do momento de estar junto, uma ligação, cinco minutos a mais para conversar. A invisibilidade faz o outro sumir. O mundo é só seu. Os problemas são somente seus. Mas, isso tudo, é uma grande mentira e um grande engano que nos afasta cada vez mais do contato humano. Os jovens conseguem passar horas em frente ao computador com seus amigos virtuais, mas não têm dois minutos para ouvir seus pais.

Até aqui, falamos apenas do meio social. A grande questão a ser abordada é: “Existe invisibilidade social no contexto cristão?”. Convido-te a uma reflexão a partir de alguns acontecimentos no meio do povo de Deus, aquele que se diz povo cristão, acontecimentos simples que não são divulgados, porém observados por qualquer pessoa. Existem muitas pessoas se dizendo cristãs. Porém como é possível ser cristão e não ser parecido com Cristo? Não tem lógica. É impossível! Ou você é cristão porque se parece com Cristo, ou você simplesmente não é.

Vemos na vida de Cristo que as pessoas menos acreditadas, menos notadas, as menos aceitas, eram vistas por Ele. O ministério de Jesus, sua vida, sua morte e ressurreição foram voltados para o outro. Seus olhos viam o que os outros não conseguiam ver. Ele nos ensinou a olhar o outro na perspectiva de Deus. Ordenou apenas dois mandamentos: Amar a Deus de todo o coração, alma e entendimento e ao próximo como a você mesmo. Jesus fazia dessas palavras um estilo de vida e por isso não havia espaço para a invisibilidade social.

Ao contrário de Jesus Cristo, vemos pessoas se dizendo cristãs, seguidoras de Cristo, mas que não enxergam o próximo. Não estou generalizando, pois graças a Deus ainda temos verdadeiros cristãos. O objetivo é refletir.

Muitos entram na igreja para participar dos cultos, e parece que, assim como citei ao início, o corpo já está programado para tudo o que vai acontecer. Sabem o momento de se colocar em pé, de sentar-se, o momento de aplaudir, momento da oração, quantidade de músicas, a hora da oferta, a palavra, o momento dos avisos, oração final e a hora de ir embora. Seus movimentos ficam tão ritualizados que o outro, o irmão do mesmo corpo de Cristo, se torna invisível. As cadeiras parecem marcadas e só notam que tem alguém diferente se esse alguém estiver sentado na sua “cadeira de todos os dias”. Ao final dos cultos não há abraços calorosos, não há preocupação com o outro, não há alguns minutos para ouvir. A pressa toma conta e quando se vê, a igreja está vazia.

Se você percebeu que está vivendo na invisibilidade social, está na hora de tirar as vendas dos seus olhos. As pessoas são importantes para Deus assim como você também o é. Pare de “coisificar” o outro. Pare também, de aceitar ser “coisa”. Comece com atitudes simples. Diga ”por favor”, “por gentileza”, “obrigado”. Agradeça ao motorista do ônibus, ao cobrador, ao porteiro, à faxineira, ao zelador, ao gari, à atendente, aos professores. Elogie a comida da mãe, da cozinheira, da avó. Deixe um recado com um simples “Te amo” para quem é importante na sua vida. Dê um abraço mais demorado para mostrar o quanto estava com saudade. Olhe nos olhos, pergunte se está tudo bem e espere a resposta. Role com seus filhos no chão da sala. Deite na cama dos seus pais e conte-lhes as coisas engraçadas do seu dia. Faça com que as pessoas se sintam notadas, importantes, amadas. Diga à sua esposa o quanto ela é linda. Pais mostrem aos seus filhos o quanto eles são preciosos na sua vida, independente da idade deles, pois continuarão sendo sempre suas crianças. Ajude alguém a atravessar a rua, carregar as compras, subir às escadas. Segure a porta do elevador para alguém entrar. Tire a violência das suas palavras. Seja contra a violência de gênero presente na linguagem. Se compadeça da necessidade do outro.

Não tenho a intenção de fazer um discurso para melhoria da qualidade de vida social, mas te desafiar a sair da zona de conforto, ser um verdadeiro cristão. Saia da massa, deixe de ser apenas mais um, acabe com a invisibilidade social no contexto cristão. Humanize as pessoas ao invés de “coisificá-las”. Mostre em atitudes de amor o quanto elas são importantes para Deus. Seja diferente ao ponto de ser notado e ouvir que é seguidor de Jesus Cristo, por se parecer com Ele no falar, no andar, olhar, no agir e no viver. O desafio é para sermos diferentes do que o mundo está acostumado e sermos iguais a Cristo. Existe uma canção que diz: “Talvez morrer por Ti não seja o mais difícil, afinal, o desafio é viver por Ti”. Esse é o desafio que deixo: crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos: SEJA UM VERDADEIRO CRISTÃO. NÃO “COISIFIQUE”, HUMANIZE. SEJA UM AGENTE RESTAURADOR DA IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS NAS PESSOAS.

Cari Silva.