Câncer.

“Dor é o sistema de alarme que avisa o corpo de que algo está errado” (Stieg Larsson)

Se nos debruçarmos a analisar os registros da história das doenças, males, enfermidades e moléstias vamos nos deparar com uma lacuna, uma falta de dados sobre o “Imperador de todos os Males”, o “Karkinos”, palavra com que Hipócrates denominou o câncer pela primeira vez quando explicou que se parecia com um caranguejo enterrado na pele. A falta de menção ao câncer nos registros do passado está relacionada à baixa expectativa de vida. As pessoas lá nos primórdios viviam tão pouco que não dava tempo da doença se manifestar. O câncer está ligado à longevidade.

Olhemos para a proporção de idade, o risco de uma mulher com 30 anos ter um câncer de mama é de 1 em 400, já o risco de uma mulher de 70 anos ter câncer de mama é de 1 em 9, ou seja, quanto mais velho você for, mais propício do câncer se desenvolver. No passado as pessoas viviam no máximo até aos 40 anos, o que não dava tempo para se ter uma alta gama de casos documentados na história. O câncer está ligado ao aumento da idade.

Você vai me perguntar, se o câncer está ligado à idade, então como explicar a incidência de Leucemia em crianças ser alta? Nenhum câncer é como o outro, absolutamente nenhum, todos são diferentes. Em 1845 o medico inglês John Hughes Bennett foi o primeiro a fazer a descrição da Leucemia, ele observou um paciente seu que estava com o sangue entupido de células brancas (as células brancas são o principal ingrediente do pus). A Leucemia é a doença maligna dos glóbulos brancos, uma hiperplasia (um crescimento descontrolado da divisão de células que são mutantes malignas e brancas no sangue que chamamos de Blastos). Esse tipo de câncer começa pela destruição da medula.

Em um manuscrito de 2.500 a.C aconteceu na história o primeiro registro do que pela descrição parece ser um câncer de mama, quem fez a descrição foi o gênio, médico, arquiteto, sacerdote e polímata egípcio Imhotep, ele fala sobre “uma massa saliente no peito que se espalha, um tumor saliente no peito com inchaço, tocá-lo é como tocar em uma bola fria”. Imhotep estava falando do câncer de mama, ele não sabia como curar essa enfermidade tecidual. O historiador Heródoto em 440 a.C escreveu o caso da rainha persa Atossa, a mãe de Xerxes, a rainha Atossa descobriu um caroço no peito e ao descobrir caiu em uma depressão, não saía de seus aposentos, enrolava seu peito em tiras de lençol para ninguém perceber o inchaço. Um escravo grego chamado Democedes convenceu a rainha a extirpar o caroço com uma faca, ele mesmo extirpou o tumor, ninguém sabe se a rainha se recuperou totalmente, talvez um alívio passageiro.

A próstata foi descrita pela primeira vez em 1536 pelo anatomista Niccolò Massa, mas o câncer de próstata só foi identificado em 1853 pelo cirurgião J. Adams. Nas primeiras tentativas de tratamento do câncer de próstata eram feitas cirurgias para aliviar a obstrução urinária. O câncer de próstata é um tumor maligno sólido, resultado do crescimento desordenado de células , apenas 3 espécies podem ter câncer de próstata: o homem, o cachorro e o leão.

Em 1920, o fisiologista canadense Charles Breton Huggins, estudava o liquido prostático dos cães e ele vislumbrou algo que lhe intrigou, as células cancerígenas do câncer de próstata eram viciadas em testosterona, então ele cirurgicamente retirou os testículos dos cães com câncer de próstata e percebeu que sem a testosterona o tumor diminuía. O problema é que essa ação em homens destruiria a função erétil. Só no ano de 1983, Patrick Walsh desenvolveu a retirada da próstata e linfonodos por trás do osso púbico, o que chamamos de “Prostatectomia Radical Retropúbica”.

Ao mesmo tempo em que o bacteriologista alemão Paul Ehrlich se empenhava em criar as populares “balas mágicas”, o cirurgião americano William Stewart Halsted disseminava a “mastectomia radical”, um tipo de operação agressiva para retirada do câncer de mama, que apesar de ser agressiva, matava mais mulheres do que retirava o tumor. O combate ao câncer é uma luta respectivamente nova, até os anos 1850 se sabia mais sobre Malária do que sobre o Câncer. A maior dificuldade de se combater esse inimigo criado pelo próprio corpo, sim, o câncer é seu corpo criando células doentes para matar você mesmo, a maior dificuldade de combatê-lo é que os mesmos agentes que atacam as células cancerígenas às vezes atacam também as células boas e isso debilita ainda mais o paciente e as vezes ou o paciente morre de câncer ou morre pelo tratamento.

Na minha família já teve alguns casos de Câncer, minha avó paterna (faleceu por conta de um Glioblastoma), meus tios tiveram diversos canceres metastáticos, foram experiencias difíceis, praticamente em todos os casos perdemos a batalha, enfrentar o câncer é uma batalha voraz que depende muito da prevenção e do diagnóstico ser feito cedo, quanto mais avançado estiver o câncer e pior for seu estilo de vida, alimentação e vícios e mais idoso você for, menos chances você terá contra o Karkínos. Câncer é o crescimento descontrolado de uma célula por uma mudança no DNA de uma pessoa, uma célula cancerosa é impossível de controlar.

Se você já enfrentou o câncer, você sabe que está apenas "remido" do câncer e não curado (remido, remissão, são termos médicos usados nos casos em que a doença desaparece após o tratamento). Após o período de 5 anos você está remido, mas não há garantia de que a neoplasia não volte, é só perguntar para alguém que sofre de câncer de bexiga o quanto é terrível as recaídas. O Karkínos pode voltar... O câncer jamais terá uma cura universal, por mais que procuremos, nunca haverá uma cura. Enquanto houver uma pessoa andando sob a terra haverá câncer, pois o câncer é parte de nós, do nosso DNA, a menos que manipulem nosso DNA por CRISPR e retirem os defeitos genéticos que resultam em neoplasias. O câncer talvez seja a suprema perversão da genética, um genoma que fica obcecado em se multiplicar de forma doente dentro do corpo.

Se você gostou do assunto, sugiro que leia o livro “O Imperador de Todos os Males: uma biografia do Câncer” do gênio e erudito Siddhartha Mukherjee, um dos maiores médicos oncologistas de todos os tempos com uma inteligência nunca antes vista no assunto, uma verdadeira enciclopédia cultural e verborrágica sobre o câncer.

Eden Mendes
Enviado por Eden Mendes em 19/11/2019
Reeditado em 13/10/2020
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