EU TIVE CANCER NO INTESTINO

O DIAGNOSTICO

Por volta da meia noite de 7 de setembro de 2010 acordei com indisposição e cólicas não dei muita importância e voltei a dormir. Duas horas mais tarde acordei novamente e desta vez fui direto para o banheiro com uma baita hemorragia de sangue vivo e cor intensa, assustei? Claro ne! Também fiquei preocupado, pois já tinha passado por algo parecido quando estourou uma ulcera e a hemorragia que tive me levou a ser internado de urgência no Hospital, só que naquela vez o sangue era cor de pó de café e o de agora era vermelho intenso. Fiquei conjecturando, o que vou fazer? Nada. Aguardei ate o dia amanhecer.

Às 7 hs fomos para a emergência do hospital São Pedro em Guarapari que nos encaminhou para Vitória. Solange e eu chegamos no Pronto Socorro do Hospital da UNIMED (CIAS) às 8:30 hs. Após a avaliação inicial fui encaminhado para exames. Em menos de 30 minutos já tinha sido visto por dois médicos, fizeram coleta para exames de sangue, tomaram radiografias e fizeram ultrassom do abdome, não sai do Hospital fiquei internado e me preparando para o exame de colonoscopia.

Feita a Colonoscopia, o medico, Dr. Marcos Salemi procurou Solange e lhe disse que o exame mostrou uma tumoração ulcerada em reto superior sigmoide - Tumor no intestino - uma amostra colhida foi enviada para o laboratório. Às 22 h já no Apto, tomei banho e jantei.

Solange não me contou sobre a conversa com o medico. Deve ter sofrido muito. Eu estava preocupado com ela que apesar de demonstrar que estava tudo bem eu sabia ou podia supor que a barra estava pesando e a perspectiva de uma noite mal dormida não seria nada bom. Alem da sua preocupação constante comigo, a angustia pela perspectiva de um CANCER gerava um estresse muito forte que aumentava o seu cansaço físico. Assim mesmo a noite chegou e felizmente dormimos.

No dia seguinte a chegada de Liliana e Herculano (filha e genro) trouxe alivio para nos dois, já tínhamos com quem compartilhar o problema, seja para decidir o que fazer seja para servir de companhia solidaria.

No segundo dia no Hospital foi marcada uma tomografia do abdome. Exame que confirmou o diagnostico de um câncer no intestino aguardando somente o resultado da biopsia para sua confirmação.

Recebi a noticia com muita tranqüilidade e com isso pude transmitir à minha família a paz necessária para tomarmos as decisões que teriam que ser tomadas

com prudência e ponderação.

A noticia logo se espalhou, tendo recebido muitas comunicações de afeto e carinho, meus irmãos ficaram por telefone me acompanhando, cunhados, primos e amigos, etc.... me surpreendi de ver quanta gente sentia meu problema. Muitos não acreditavam que estivesse acontecendo isso comigo, sempre a gente pensa que o ruim é para os outros, mas Deus sabe o que faz.

E sabe mesmo! Quem poderia me dizer que eu estava com esse tumor no intestino, nem mesmo dor eu sentia. Não havia nenhum sintoma que indicasse qualquer anormalidade em mim. Deus, ele sim sabia. A hemorragia que tive foi o alerta para poder descobrir esse tumor e poder extirpar-lo a tempo. Depois que entrei no Hospital e fiz os primeiros exames a hemorragia sumiu e tudo voltou ao normal como se nada tivesse acontecido. Perguntei ao medico o porquê dessa hemorragia e não tinha explicação

Depois de uma reunião com os médicos que me atenderam na Unimed Vitoria principalmente Dr. Marcio Martins de Souza, decidimos de que a cirurgia deveria ser feita em BH. Com essa decisão passamos a agir no sentido de tomar as providencias necessárias.

A principal duvida quando falamos de uma cirurgia é quem será o cirurgião? A questão é muito pessoal. Eu já tinha tido essa experiência quando operei a próstata. É muito importante que haja uma interação medico/paciente, uma sinergia que deixe o doente em total entrosamento com o medico. Muito importante é fazer todas as perguntas necessárias e tentar estabelecer essa relação de confiança, cumplicidade, sei lá o nome, em fim que você passe a acreditar naquela pessoa, no final você esta entregando sua vida a alguém que você conhece faz pouco tempo. No caso de uma emergência, tudo bem, o medico que estiver no plantão é o melhor. Tendo tempo para programar é importante saber escolher

Felizmente para nos o irmão de Herculano, Dr. Reynaldo Gomes de Oliveira, medico e escritor, autor do Black Book esteve sempre presente. Foi ele que nos indicou o profissional. Ele disse: Conversei há pouco com o Cirurgião (professor catedrático da UFMG) com mais experiência e mais conceituado nesse tipo de problema aqui no Hospital das Clínicas. O nome dele é SÉRGIO ALEXANDRE DA CONCEIÇÃO. Acertou em cheio. Obrigado Reynaldo

A cirurgia foi marcada para 7 de Outubro de 2010 no Hospital das Clinicas de Belo Horizonte. Curiosamente, desde o momento em que ficou constatado o diagnostico eu me senti muito tranqüilo e assim foi até o final da cirurgia. Em nenhum momento fiquei abalado com este problema. Para mim era mais uma batalha a enfrentar.

A CIRURGIA

Fui operado no dia 7 de Outubro de 2010, pelo Dr Sergio Alexandre Conceição professor Catedrático da UFMG, a operação foi realizada no Hospital das Clinicas de BH, e foi um sucesso pois a experiência do cirurgião permitiu que nem a colostomia fosse realizada. Do diagnostico até à cirurgia se passaram 30 dias. A operação durou 8 horas, incluindo o repouso. Fui para a sala de cirurgia às 7 hs e às 15 horas já estava de regresso ao quarto.

Na sala de cirurgia vi os médicos, enfermeiras, e o anestesista que veio falar comigo perguntando como estava me sentindo e explicando o que ele ia fazer, ao mesmo tempo escutei o Dr. Sergio Conceição, acho eu que estava repassando com as enfermeiras a relação dos instrumentos, as linhas cirúrgicas etc. O anestesista me disse que iria fazer uma anestesia raquidiana e que eu iria me apagar em pouco tempo. Após tomar um comprimido comecei a sentir que estava me apagando. Eu lembro ainda ate o momento que mandou eu sentar e aplicar uma injeção nas costas (ver foto).

Quando recuperei a consciência e abri os olhos na sala de recuperação fiquei olhando para os lados procurando descobrir onde estava e porque estava ali, deitado numa maca. Lembrei que ia me operar do intestino e alguém me estava aplicando uma injeção nas costas. Naquele momento não conseguia perceber quanto tempo tinha se passado desde que sai do quarto. Em seguida chegou um medico segurou meu pulso

e mediu minha pressão, após o que disse: esta tudo bem pode levar para o quarto, lembro ter perguntado: e a cirurgia Dr.? Já acabou e esta tudo bem com você.

O Laudo da Biopsia abaixo é auto-explicativo e mostra a extensão da cirurgia incluindo o resultado de analises feito no material retirado e enviado para exame

Meu medico angiologista (já fiz 3 cirurgias de varizes) recomendou para me enfaixar as duas pernas para evitar o risco de tromboses. O pneumologista (tenho enfisema pulmonar) recomendou o uso do remédio para o pulmão durante todo o tempo que permanecesse no Hospital e como medida preventiva após a cirurgia me colocaram uma sonda uretral. A colostomia não foi realizada pela habilidade do Dr. Sergio que conseguiu fazer a sutura do intestino sem risco de rompimento.

Minha recuperação foi tranqüila, afora um problema de retenção urinaria provocada por uma má colocação da sonda que feriu a minha uretra. No mesmo dia da cirurgia, à noite, senti um incomodo e ardor na uretra e fui verificar a sonda para ver se tudo estava em ordem, não estava. A sonda estava solta não tinha sido completamente fixada e saiu na minha mão.

A cirurgia aconteceu numa 5ta feira véspera de feriado prolongado de 12 de Outubro. Desde a madrugada da sexta feira até domingo sofri muito por conta da bexiga cheia. Acontece que quando a sonda se soltou foi arranhando a parte interna da uretra e ferindo até sangrar. Este sangramento acarretou a formação de crostas e coágulos que se solidificaram e obstruíram a passagem da urina e por mais esforço que fizesse não passava nada. A bexiga estava só inchando e a vontade de urinar foi aumentando na medida que o soro estava sendo injetado.

O esforço que eu fazia na tentativa de urinar era muito grande e eu corria o perigo de estourar algum ponto. Foram 48 hs de sofrimento. Dr. Sergio tinha me avisado que iria viajar nesse fim de semana mas haveriam dois residentes que estariam me visitando, um deles chegou a chamar o urologista de plantão no HC mas não

resolveram meu problema. Para minha sorte a enfermeira chefe do plantão do domingo conseguiu falar pelo telefone com Dr. Sergio que mandou uma nova medica residente para resolver meu problema. E a solução foi muito simples, um pouco dolorosa porem eficiente - sonda de alivio. Na hora me apareceu um técnico em enfermagem que parecia o ultimo dos moicanos, alem do cabelo esquisito era todo tatuado, fiquei desconfiado porem mandei ver. Pedi para Solange segurar meus braços e Julinho para segurar minhas pernas e la foi o cara enfiando essa mangueirinha pelo canal, cada vez ardendo mais arrastando-se pelo canal ferido, ate encontrar uma obstrução que não deixava a sonda passar. Felizmente o rapaz não desistiu e finalmente chegou lá removendo a obstrução. A urina saiu junto com coágulos de sangue endurecido (o maior de aproximadamente 3 mm). O alivio foi imediato. Urinei 800 ml

Passado o sufoco da bexiga cheia vieram dias tranquilos até que no dia 13 já estava de alta. No dia 14 de Outubro já estava em minha casa em Guarapari, onde Mauricio nos levou de carro. No final do mês veio o resultado da biopsia, que além de confirmar o diagnostico do tumor, mostrava que dos 18 linfonodos enviados ao laboratório 2 deles indicavam malignidade e com isso o protocolo sugeria uma quimioterapia grau II.

A QUIMIOTERAPIA

A biopsia confirmou tumor maligno e ainda indicava que dos 18 linfonodos 2 deles eram malignos por isso o protocolo sugeria uma quimioterapia grau II.

Foi ai que começaram os problemas deste episodio. Primeiro não sabia o que fazer, pois uma coisa era aceitar o fato do tumor e como conseqüência aceitar a cirurgia que extirparia o meu problema e outra era enfrentar um tratamento regido por protocolos, mas que ninguém sabia me informar ao certo se isso era o correto, embora tudo e todos sugeriam que era o mais sensato a ser feito, mas não sabiam explicar porque. Em suma a premissa era: teve câncer tem que fazer quimioterapia e pronto.

Diante das questões colocadas confesso que fiquei muito mais chocado com a perspectiva de uma quimioterapia do que quando diagnosticaram o câncer. Como não entendia nada sobre o assunto procurei me informar sobre o tema, pois a pior parte é a ignorância e eu estava literalmente boiando num mar de incertezas, sujeito a dezenas de opiniões.

Não pensava relatar minhas andanças pelos consultórios oncológicos de Vitoria e de BH, mas diante do assedio que sofri decidi contar um pouco de tudo isso, que chega a ser doloroso pela forma como eu portador de um câncer – é assim que me tratavam, deveria me submeter a tratamentos que, pelo que pude perceber na maioria das vezes não vão muito alem da questão pecuniária e protocolar, pelo menos foi assim que eu senti. A conclusão que cheguei depois de muito meditar e sofrer é que os especialistas médicos devem, ate por uma questão humanitária, pensar mais sobre como tratar um paciente com câncer do que simplesmente induzi-lo a fazer a quimioterapia. A pessoa que passa por esse processo esta fragilizada e ainda pode ter outros problemas de saúde que devem obrigatoriamente ser avaliados antes de propor qualquer outro novo tratamento. É importante tratar a pessoa como pessoa e não como um doente, fonte de recursos e de ganhos.

Você chega numa clinica de tratamento oncológico e nota que o ambiente é diferente, desde o momento que você entra você sente que esta num lugar diferente. Numa das clinicas quando entrei me lembrei de quando me levaram pela primeira vez ao colégio, eu tinha 4 anos, tive a mesma sensação de mistério, pois é nesse clima de não saber onde você esta pisando e com o espírito deprimido que você é iniciado e preparado para o procedimento.

Facilmente você distingue um paciente do acompanhante. Os pacientes na sua grande maioria estão magros, desnutridos, pálidos, muitos com anemia, normalmente de boina, chapéu ou echarpe para cobrir a queda de cabelo. De forma geral as pessoas que por ali circulam estão fragilizadas pelo próprio tratamento. É triste, ai você passa a pensar agora faço parte dessa turma e com isso começa a fazer sua cabeça de que agora isso deve ser normal para você. Pelo menos foi assim que eu me senti. Só que minhas duvidas eram muitas e comecei a questionar esse tratamento.

Lembro especialmente de uma medica em Vitoria que perdeu a paciência comigo quando passei a perguntar sobre o procedimento. Ela só faltou me agredir e ficou muito nervosa principalmente por não ter me submetido a implantação de um cateter na altura do peito por onde iriam injetar as drogas. Essa senhora chegou a me ameaçar com as terríveis dores que eu iria sentir e me disse que pelo menos poderia aliviar o sofrimento das pessoas ligadas a mim que estariam sofrendo muito por minha causa. Na tentativa de dar um tempo maior para poder pensar sobre o assunto, lembro-me que eu aleguei que meu plano médico não iria aprovar esse tratamento em Vitoria. Para minha surpresa fui informado que já tinham 8 seções aprovadas, de um total de 24, a um custo de R$9.000,00 por aplicação.

A coisa não parou por ai, fui informado que o tratamento só teria alguma eficácia se fosse iniciado ate no máximo 8 semanas após a cirurgia e para me lembrar este fato recebi alguns telefonemas me cobrando o tratamento e até chegaram a marcar com o cardiologista que iria colocar o cateter no meu peito. Os telefonemas me lembravam que o tempo estava passando e que eu deveria iniciar logo a quimioterapia

Eu não tinha medo das aplicações em si. O problema principal estava nas conseqüências desse tratamento, suas complicações para o meu caso em particular e principalmente nos seus resultados. Pelo que pude observar a condição de saúde física e mental do paciente é o que menos importava no momento. Segundo uma das clinicas consultadas eles tinham no quadro de especialistas, profissionais de apoio para dar tranqüilidade ao paciente e seus familiares, Tipo: Psicólogos, terapeutas e nutricionistas que tratariam possíveis distúrbios causados pela droga a ser injetada ou orientariam o paciente e seus familiares no caso de haver alguma complicação alem da aceitação dos fatos. Confesso e até pode parecer paranoia da minha parte, mas tudo isso assusta, principalmente da forma como a questão é abordada e se você não estiver com o pé no chão facilmente se deixa levar.

Todos sabem que a imunidade de uma pessoa em tratamento quimioterápico fica bastante reduzida propiciando condições especiais para uma infecção ou algo parecido. Eu sou portador de DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica – enfisema pulmonar, dai que qualquer infecção poderia me levar a conseqüências drásticas do sistema respiratório, podendo chegar a uma pneumonia ou algo próximo a isso. Este é um fato CONCRETO! Mas ninguém deu importância o que interessava era que eu tinha câncer e precisava da quimioterapia. Perguntei a todos os médicos que consultei sobre a eficácia do tratamento, que garantia eu teria de me livrar do câncer e a resposta sempre foi que as probabilidades eram de 50%. Podia ficar bom como também podia piorar Este é um caso PROVÁVEL! Entre o concreto e o provável escolhi o que achei mais correto contra todas as opiniões.

Havia outra forma de ver a questão - do meu ponto de vista claro - Será que eu sou portador de um câncer que deve ser controlado, diminuído, atacado com drogas, etc, ou ele foi extirpado quando fui operado. Se já fui operado e o tumor extirpado, então não tenho mais câncer. Neste caso, seguindo a resposta dos médicos e considerando a lei das probabilidades vamos tratar do que? Mesmo assim, não podia esquecer que tinha 50% de possibilidade de uma recidiva e sabendo desse risco havia necessidade de um acompanhamento periódico que monitorasse todo meu sistema e controlasse minha condição clinica nos próximos 5 anos pois foi assim que fiz. Procurei um medico oncologista que aceitou a minha decisão e se comprometeu a me

acompanhar e monitorar minha recuperação. O Dr..Sandro Campos Borges me acompanhou ate 2015 pelo que lhe agradeço

Nesse percurso tive varias decepções, aborrecimentos e descobertas. Mas tive também grandes emoções. A mais importante foi a coragem e a solidariedade demonstrada por Solange que mesmo sofrendo com o meu drama esteve junto comigo em todo o processo me acompanhando e principalmente respeitando meus sentimentos e minhas duvidas e apesar de tudo, mesmo sofrendo, concordar comigo. Solange, obrigado e um grande beijo para você.

Julio Gros
Enviado por Julio Gros em 06/11/2018
Código do texto: T6496326
Classificação de conteúdo: seguro