As Relações na Vivência de Uma Prática:a Vida
Por Rosângela Brunet
"Ninguém se conscientiza sozinho,os seres humanos se conscientizam nas interações,na vivência de uma prática" Paulo Freire
Minha meta neste artigo é refletir sobre Relacionamento Interpessoal, suas intercorrências e abrangências refletindo na prática da vida.
Relação interpessoal é um termo muito utilizado no meio corporativo por se tratar de uma competência essencial ao trabalho de equipe .Há diversas formas de se conceituar este termo, mas darei aqui uma explicação que considero apropriada para que seja possível o entendimento em relação ao foco principal que será exposto aqui.
Para se falar de relacionamento interpessoal é necessário, obviamente que haja no mínimo duas pessoas. Do contrário, poderíamos estar nos referindo a uma introspecção, a um olhar intra psíquico, uma ilusão, um delírio ou uma fantasia.E isso é muito comum.Podem acreditar. Há casos em que o outro foi internalizado, e portanto há um "diálogo" entre eles sem que isso seja sintomático.Ao longo da vida internalizamos muitas vozes, as quais se tornam parte até mesmo da nossas "consciência".Neste caso específico, entende-se consciência como Superego", que é responsável pela censura e limites.Mas há os "dialogam" com um outro idealizado que vive dentro dele.Alguém de fato, não existe e nunca existirá. Isso ocorre ,em geral, pela falta de relacionamentos reais. Por isso, é fundamental as relação sejam capazes de alguma troca, suficientemente sustentável , no sentido de promover o crescimento do próprio indivíduo, maturidade e saúde mental.
E, é nesse viés que se costuram as relações interpessoais no trabalho, as quais são capazes de agregar valor ao clima organizacional e promover motivação e produtividade através do trabalho em equipe.
No entanto, para que haja uma clareza e facilidade neste processo , é necessário que o indivíduo desenvolva outras importantes competências. Uma delas é o autoconhecimento, ou seja, o indivíduo precisa estar em contato consigo mesmo para que haja conscientização de si mesmo,bem como de sua dinâmica intrapsíquica,e com isso se construir como sujeito ativo nas parcerias que vai estabelecendo ao longo da vida , e assim, consiga lidar como meio adequadamente.É por isso, que se pode mesmo dizer que a mudança precisa começar primeiro dentro de nós.
Conhecer sua própria escuridão é o melhor métodos para lidar com a escuridão do outro"Carl Gustav Jung
Nesse autoconhecimento o indivíduo passa a conhecer seus sentimentos e desenvolve a capacidade de aceitá-los,enfrentá-lo ,se tornando assim , mais apto a conviver ou superá-lo. Na medida em que os pensamentos e sentimentos vão se tornando conscientes se torna mais fácil a compreensão de si mesmo e do mundo. Isso facilitará a empatia.
Mas qual é a importância dessa competência? Para que o sujeito se utilize dos meios necessário na direção de satisfação de suas necessidades e desejos, esse sujeito precisa saber quem ele é, do que ele necessita, o que ele deseja e qual a imagem que ele tem de si mesmo. Isso irá facilitar a relação com o outro, bem como a apreensão do mundo que ele ira explorar como fonte de realização. Mas isso não é um processo simples,pois envolve capacidade de discriminação e orientação,os quais se definirão o quanto este sujeito será realizado ou não.
Á partir do momento que ele sabe lidar com seus medos, angústias, desejos, ansiedades, necessidades, fantasias ,etc será mais fácil administrar estes sentimentos e gerenciá-los, e assim, consequentemente não será difícil identificá-los no outro. Se o indivíduo conhece e sabe gerenciar seus sentimentos, e sabe identificá-los no outro será menos penoso a a resolução de conflitos , e a comunicação , que exige tantas outras competência , se tornará uma ferramenta eficaz para atingir esse objetivo e alcançar as metas preestabelecidas do próprio indivíduo e ,consequentemente da equipe.
Por isso, a importância de tanto investimento das empresa em profissionais que possuem esta competência: Relação Interpessoal
Até agora procurei relacionar estes fenômenos e mostrar sua abrangência na vida profissional e pessoal. Mas acredito que a relação interpessoal é, primeiramente uma competência muito mais ligada a vida pessoal do que propriamente ás outras áreas.
A família, as amizades,as relações afetivas, e até mesmo as relações de cunho mais superficiais são influenciadas pro esta habilidade
Por isso, escolhi um tema que considero fundamental para embasar minha explicação sobre a importância desta habilidade tão valorizada atualmente. O tema : amizade. Aqui vou me deter apenas neste foco de atenção, pois relacionamento interpessoal é um conceito que abarca inteligência emocional , e este é um conceito mais complexo ainda.
"A amizade se deriva da palavra em latim "amicus"; amigo, que possivelmente se derivou de "amore".É uma relação afetiva, a princípio, sem características romântico-sexuais, entre duas pessoas" No sentido amplo da palavra a amizade se refere ao relacionamento entre pessoas , o qual exige um conhecimento mútuo e profundo , tendo como base de sustentação a lealdade, altruísmo, paciência, transparência, ética é verdade. A amizade pode estar presente entre filhos e pais, irmãos, amigos, amantes e cônjuges . Atualmente amizade tem sido um artigo de luxo,onde o "mercado' pode cobrar o que quiser pela escassez de oferta.
Nessa sociedade consumista e materialista o esvaziamento de valores tem feito com que a busca pelo "Ser" seja substituída pela corrida frenética pelo "Ter". Charllyson Syrio Rego diz que " Nos dias atuais o Parecer-Ser e o parecer-Ter já é parte integrante das relações estabelecidas entres as pessoas no trabalho , educação, família, religião e até mesmo nas relações mais intimas, enquanto forma de comunicação e relacionamento afetivo."
As amizades estão escassas. Não generalizando, mas a educação tem sido voltada para criar empreendedores selvagens. Diferentemente do que ensinou Max Gehringer. dizendo:"Não eduque seu filho para ser rico, eduque-o para ser feliz. Assim ele saberá o valor das coisas e não seu preço".As escolas estão formando técnicos que num breve período de tempo estarão sofrendo de estresse.Cada dia as pessoas estão mais solitárias e carentes. A formação familiar , até mesmo numa família funcional, tem criado sujeitos narcisos,arrogantes e voltados apenas para a busca do sucesso.
Uma das características que impedem uma relação de amizade ser construtiva é a incapacidade de perceber o belo ou o bom no outro."O narciso só acha belo o que é espelho".
A amizade traz benefícios para a saúde mental e auxilia na estruturação de uma relação, possibilitando a consolidação de sentimentos positivos . Infelizmente ,nem todas as pessoas são dotadas deste bom sentimento. Atualmente as relações tem sido mais contabilizadas do que propriamente vivenciadas. Uma das razões desta escassez é exatamente esta dificuldade perceptiva de se orientar na direção correta do objeto de desejo, ou seja, o que me faz feliz é aquilo que me ensinaram a valorizar: ser ou ter.
Obviamente não se pode considerar esse fato uma regra geral, mas um indicador bastante fidedigno é a prática educacional.Apesar do preparo técnico, as escolas tem se voltado para criar empreendedores selvagens.Primeiramente, nas escolas públicas não se pode refletir sobre educação, haja visto a complexidade de problemas encontrados ali.
"Não há educação sem amor. O amor implica luta contra o egoísmo. Quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. Não há educação imposta, como não há amor imposto. Quem não ama não compreende o próximo, não o respeita.Não há educação do medo. Nada se pode temer da educação quando se ama." (Paulo Freire)
Diferentemente do Freire acredita, nas escolas privadas a política educacional é voltada para o lucro. Com isso, todas as ações educativas devem ser focadas na preparação de empreendedores, e não cidadãos felizes e realizados.Até porque antes teríamos que redefinir os conceito de felicidade e realização na visão da sociedade.Todos sabemos que a educação é o reflexo da política que é determinada pela economia. Há uma frase de Saramago que gosto muito.O poder real é econômico,por isso não falemos de democracia"
E assim, vemos a família num processo de transição onde o esquema de poder é confuso , os limites foram estendidos , o afeto foi substituído pelos ipods, ipads, iphones, brinquedos eletrônicos, viagens a Disneylandia, etc. E estes fatos conjugados pela ausência dos pais tem sido entendido pela mais valia do Ter em detrimento do que do Ser.Esvaziamento de valores é o produto final desta nova geração, refletindo nos relacionamentos gerando relações líquidas e efêmeras .Por isso os holofotes tem sido interpretado como manifestação de amor. Uma geração sob a influência da cultura da imagem produzindo a sociedade do espetáculo. Nestes tempo seria impossível resignificar o conceito de felicidade de forma que ela promova um bem estar e harmonia intra-psíquicaNesse convívio social encontramos um número significativo de pessoas, cuja interação com as outras esta ligada diretamente ao benefício que elas podem trazer umas as outras.
Outro dia ouvi um rapaz dizendo : O importante é você tem que ter o número de telefone das pessoas certas.Ou seja, a rede de relacionamento dele é construída á partir do quanto esta pessoa será útil para ele. Sabemos que isso é muito comum no meio empresarial,mas já se estendeu ao convívio social entre pessoas comuns que anseiam pelo sucesso gerado pela ganância . Em geral essas pessoas estão sempre voltadas para si mesmas, ainda que de uma forma velada, e ainda que mascarando , ainda que seu discurso seja de bondade, altruísmo, paz e amor elas estão em busca de algum benefício que o outro possa trazer- há uma busca constante de algum tipo de reconhecimento social , ganho secundários, ou recompensa .
O fato é que não é fácil encontrarmos pessoas capazes de se dispor de algum minuto de seu tempo para olhar para os lados e ver o outro de alguma forma. Isso não é uma generalização, mas um fato bem comum. Muitos estão com muita pressa de chegar não sei aonde. Isso é uma característica de nossa época. Estamos vivendo numa geração que forma narcisos.
O termo narcisismo tem sua origem na Mitologia Grega onde o jovem Narciso, se apaixonar por sua própria imagem espelhada na água. “Este amor impossível levou Narciso à morte, afogado em seu reflexo. O narcisismo, portanto, retrata a tendência do indivíduo de alimentar uma paixão por si mesmo. Segundo Freud, isso acontece com todos até um certo ponto, a partir do qual deixa de ser saudável e se torna doentio, conforme os parâmetros psicológicos e psiquiátricos.Este termo, como tantos outros emigrados do campo psíquico, tornou-se vulgarmente usado para indicar alguém vaidoso ou egoísta. “[4]
Este fenômeno é formado por pessoas que não abandonaram seus espelhos , são incapazes de amadurecer e não aprenderam a suportar a perda "da ilusão de si mesmo" O narciso é assim, só ama o que é espelho porque não sabe identificar o que difere de si mesmo.Se não for ele não existe, ele não reconhece o outro.O narciso só curte o que reflete ele,só ouve sua voz, só entende se a mensagem saiu de sua criação, é desprovido de tudo que o diferencia, e não pode consagrar o outro como personagem principal. Tudo tem que girar em torno do seu espelho. A luz da ribalta tem brilhar só nele.
O esvaziamento de valores produziu pessoas com dificuldade de entender o conceito de lealdade e a ética . A luz deste conhecimento não tem conseguido atingir o ângulo de "reflexão" dessas pessoas. Se quebrarmos seu espelho eles perdem o olhar, o mundo sai da sua perspectiva, e eles ficam cegos, pois eles sempre olhando para eles mesmos e buscando apenas o que interessa ao seu próprio benefício. Eles não sabem amar o outro que não seja ele mesmo no espelho. Eles se amam sendo o outro sua extensão. Eles enganam as pessoas com discursos bonitos , mas o que querem é obter em você o que será utilidade para eles, e em nenhum momentos eles desejam o outro como indivíduo. Só reconhecem o que é semelhança deles mesmos. Qualquer diferença será interpretada como erro de interpretação, e mesmo assim, isso só será possível se eles perderem o ângulo de sua visão (quando o espelho sai de sua frente).
Infelizmente, por várias razões, temos vivenciado isso nessa época. Nesse trânsito de discursos falsificados as rodovias da verdade se tornaram lugares desabitados. O amor espera do lado de fora, o altruísmo esta em liquidação. As frases de efeito estão lotando os perfis das redes sociais . Há poesias demais e pouca vivência verdadeira. Como disse Ana Jacomo :“Tomara que a gente não desista de ser quem é por nada nem ninguém deste mundo. Que a gente reconheça o poder do outro sem esquecer do nosso.Que as mentiras alheias não confundam as nossas verdades."
Considerando estes fatos, penso que a amizade é verdadeiramente importante para a perpetuação de nossa existência.
O sistema tem construído ao longo do tempo um pensamento limitador levando o indivíduo a aprender a viver somente em condições meritocratas - filosofia imposta pelo interesse do consumismo: Você tem o que merece. Você só consegue com muito esforço.
Antes a escravidão era imposta pelos senhores feudais, hoje ela foi internalizadas de tal forma que não temos nos dados conta de que ainda não conseguimos sair deste modelo escravocrata.Ou seja, temos que fazer o que for possível, a todo custo, se for possível queimando etapas,para alcançarmos aquilo que é considerado referência de sucesso e aprovação social .A existência agora nos tem sido negada, pois perdeu seu significado e sua oportunidade de ser desfrutada ,á partir do momento que para entendermos deveríamos esta experimentando ela em sua essência.
Isso pode parecer utopia, mas de acordo com RUDIO (2001) “Ser, enquanto construção pessoal é fruto da responsabilidade assumida com relação à própria existência, na busca de mantê-la e aperfeiçoá-la; é buscar realizar-se dentro das condições de seu existir no mundo.Não-Ser é a negação de si, infidelidade para consigo mesmo e a frustração das próprias realizações pessoal.A busca pelo Parecer-Ser e Parecer-Ter, é representar papéis na busca de estima, admiração, prestigio e poder, papéis estes que não tem nada a ver com o indivíduo em questão."
Nessa jornada de superficialidade atravessando nosso mundo, teremos que desenvolver meios mais eficazes para nos defendermos de todo esse rombo, de toda essa carência e solidão onde o indivíduo tem vivenciado tempos trabalhosos.Uma tragédia existencial atravessando esse universo desencantado de máscaras e papéis mal interpretados.
Um exemplo disso é mostrado nessa fala de Fernanda Gaona :” Na era da geração auto-suficiente ser sentimentalmente ativo é um privilégio. Na geração em que a aparência vale mais que mil palavras, colocar o coração pra funcionar é quase artigo raro. Ponto para aqueles que “sobreviveram as atitudes egoístas e que não se venderam a nenhum ato mesquinho. Sorte de quem enche a boca pra dizer o que sente e acende os olhos pra comprovar que é verdade"
Entrar em contato com os sentimentos tem sido atividade apenas de pessoas consideradas fracas. Haja visto os casos de depressão que temos presenciado como sintoma social . A pessoa não pode ser triste, tem que estar sempre feliz produtiva. A solidão e abandono tem sido disfarçada de auto-suficiência. Aparenta independência emocional ,e ao mesmo tempo promove distanciamento e se impõe ao indivíduo como necessidade de se defender das "relações líquidas", tornando- se refém de seu próprio disfarce. Por isso,ser sentimentalmente ativo é ter coragem de assumir o que se sente, e ser verdadeiramente ser aquilo que se é, assumindo o risco de enfrentar o egoísmo daqueles que abandonaram a essencial função da existência: Ser. A amizade precisa ser resgatada.Somente ela produz uma abertura para que o indivíduo saia de suas cavernas
O preço a ser pago por isso , muitas vezes, pode ser parecermos ridículos, ou até sermos rejeitados ,mas o resultado desta escolha pode nos levar a verdadeira satisfação pessoal e aquisição de amizades legítimas. Claro que, como disse Whitmont, " Em sociedade, é importante desenvolvermos nossas personas assim como um ego adequado para que possamos nos relacionar com o coletivo. Devemos ter em mente, a necessidade dessa exigência, não deixando de lado, porém, aquilo que realmente somos. "Temos de descobrir que usamos nossas vestimentas representacionais para proteção e aparência, mas que também podemos nos trocar e vestir algo mais confortável quando é apropriado, e que podemos ficar nus em outros momentos. Se as nossas vestes grudam em nós ou parecem substituir a nossa pele é bem provável que nos tornemos doentes"[1].
E, é nessa cena representada pela vida, que se torna imprescindível descobrir qual a roupa adequada para vestir, e por quanto tempo ela deve permanecer em nós. Saber diferenciar esse movimento é essencial a saúde, e é ai que a amizade se torna uma condição "Sine qua non", ou seja, "sem a qual não pode deixar de ser".
A amizade é indispensável na construção desse tecido delicado da existência.É o ingrediente da construção das relações afetivas.Seu significado é plural, mas sua função é singular.Mas onde encontrar esse fenômeno tão escasso na natureza.Por onde se inicia esse tipo de relação que poderá ser chamada de amizade? Porque existe tanta gente solitária?
Essas perguntas são bem complexas, e não me atrevo aqui a respondê-las,mas tenho uma opinião que vem sendo formada em mim nestes últimos anos da minha vida, em função de algumas observações e experiência profissional.
Nestes últimos anos a globalização se tornou uma porta aberta para o conhecimento do mundo. Regimes políticos caíram pela abertura do mercado e disseminação do conhecimento. A velocidade das mudanças são assustadora. O que você sabe hoje pode ser antiquado no ano que vem.Sabemos tudo sobre a vida alheia , dos políticos, dos personagens da novela ; outros países não são mais horizontes tão longe assim. Porém, fomos aos poucos nos afastando de nós mesmos , bem como de nossos familiares. Sabemos muito sobre os avanços da ciência mas estamos ainda muito longe de conhecermos a nós mesmos. Friedrich Nietzsche disse: "Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos - e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos? Com razão a (Bíblia ) disse: 'onde estiver teu tesouro, estará também teu coração'. Nosso tesouro está onde estão a colméia do nosso conhecimento."
Esse distanciamento de si mesmo possibilitou uma atitude voltada para se desculpar sobre meios que tem sido utilizados, á fim de atingir os fins egoístas e individualistas de valores gananciosos; e com isso,o conceito de respeito, lealdade, verdade, compromisso, ética foi alterado pela mudança de valores. O que importa agora é atingir os parâmetros de uma sociedade, que hoje só valoriza o indivíduo que segue seu modelo consumista.
A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa"George Orwell
Pessoas cada vez mais tem se tornado inseguras,e a depressão, o estresse, a Síndrome de ansiedade,a Síndrome de Pânico,bem como Transtorno Obsessivo Compulsivo se tornaram as doenças contemporâneas; e uma das causas é a dificuldade que encontra-se de atingir os padrões impostos de forma covarde pelo materialismo ,o qual encontrou, por sua vez, no vazio existencial, a oportunidade de crescimento e expansão de seus produtos. Como bem disse Kléber Novarte: "O sucesso - como está sendo pregado - é só mais um produto na prateleira do consumismo.E , é neste preâmbulo dessa pregação que os indivíduos andam se perdendo, e se vendendo a preço de inexistência.Isso mesmo! A existência tem sido anulada pela nova moda ideológica ou materialismo .Não sou contra o capitalismo, mas exercer uma tirania a respeito de qualquer ideologia é uma transgressão existencial. Abigail Vun Buren disse que o indicador de caráter de uma pessoa é como ela trata alguém que não pode lhe trazer benefício algum .Eu acrescentaria um outro indicador: A forma como uma pessoa lida com o poder e com o dinheiro.Material de construção desse cenário atual. É nessa linha de pensamento, que podemos inferir a razão do afastamento afetivo e emocional nos relacionamentos.Eu diria que o egoísmo , o individualismo, egocentrismo e ganância deram lugar a lealdade, companheirismo, altruísmo, paciência, transparência, ética é verdade.Ingredientes que poderiam se constituir uma amizade sólida se tornaram agora característica do arquétipo de "heróis" em quadrinhos, ou de filmes de mocinho e bandido .
Um reflexo dessa realidade são as redes sociais, onde a trama da amizade tem sido disfarçada e mediada pela tela de um PC ou celular. Ninguém agora sabe mesmo quem é quem. Dai chamar-se virtual. O problema é que , o que deveria ser mais uma ferramenta de aproximação, se tornou a forma de se aproximar. Ali neste universo se podemos encontrar 1.200 amigos num perfil só , mascarando a solidão de um indivíduo que não sabe ,muitas vezes, nem se relacionar.Ali se pode simular alguns sentimentos e disfarçar outros.
Se formos pensar na construção de algum tipo de existência permanente poderia citar uma frase de Jonh Mawel que diz: "Nós transmitimos o que sabemos e reproduzimos o que somos" Ou seja, no que se refere a conhecimento podemos nos apropriar da realidade virtual, mas quando se deseja a permanência nada poderá substituir a experiência e formação da identidade. O que deixaremos é aquilo que somos e não o que possuímos.Por isso, a necessidade de se resgatar a essência do significado da amizade.
"A amizade é o conforto indescritível de nos sentirmos seguros com uma pessoa, sem ser preciso pesar o que se pensa, nem medir o que se diz" George Eliott
Acho que perdemos justamente esse conforto na busca de corresponder às demandas de uma sociedade voltada para a cultura da imagem, e que cultiva o materialismo por ser justamente sustentada pelo consumismo.
Em seu livro sobre "Mídia, poder e contrapoder", Dênis de Moraes fala que "O sistema midiático contemporâneo(...) evidencia a capacidade de fixar sentidos e ideologias,interferindo na formação da opinião pública e em linhas predominantes do imaginário social(...) os discursos e falas massivas da mídia se projetam como intérpretes e vigas de sustentação do ideário privatista do neoliberalismo e variações associadas. Incutem e celebram a tirania do dinheiro, a competição e o lucro, propagando valores e modos de vida que transferem para o mercado a regulação das demandas coletivas, como se isso fosse possível. Ao mesmo tempo, procuram neutralizar o pensamento crítico e as expressões de dissenso, reduzindo espaços para idéias alternativas e contestadoras, ainda que estas continuem se manifestando, resistindo e reinventando-se..Operam, consensualmente, para reproduzir a ordem do consumo e conservar hegemonias constituídas. Os mega grupos midiáticos detêm a propriedade dos meios de produção, a infra estrutura tecnológica e as bases logísticas, como parte de um sistema que rege habilmente os processos de produção material e imaterial.. esse sistema exerce interferência crucial na circulação de informações, interpretações e crenças indispensáveis à consolidação de consensos sociais"
Tudo isso me leva a concordar com o que Sigmund Freud, em "O Mal Estar da Civilização", o qual diz: "Se o desenvolvimento da civilização é tão semelhante ao do indivíduo, e se usa os mesmos meios, não teríamos o direito de diagnosticar que muitas civilizações, ou épocas culturais - talvez até a humanidade inteira - se tornaram neuróticas sob a influência do seu esforço de civilização?".Ou seja, continuamos reprimindo e recalcando conteúdos ainda que a liberdade moral já tenha sido conquistada.
Que possamos resgatar a espontaneidade e a capacidade de sermos amigos fieis e leais; e, que isso nos devolva a essência e a autenticidade que necessitamos tanto. Que as únicas repressões sejam aquelas leis capazes de nos organizar como sujeito no mundo e nos fazendo autor de nossas própria linguagem.
O que me da certeza de que o indivíduo necessita de suas relações como pontes para sua saúde mental eu encontro nesta frase de Manoel de Barros que enfatiza a maturidade pessoal e a importância do amor. “ A gente só descobre isso depois de grande (…). Que o tamanho das coisas há de ser medido pela intimidade que temos com elas. Há de ser como acontece com o amor."
Referências
[1] (Whitmont, p.140).( BOLETIM CLÍNICO - número 20- julho/2005 - PUC-S
[2]Dênis de Moraes, Pascual Serrano e Ignacio Ramonet ,In " Mídia, poder e contrapoder- da concentração monopólica à democratização da comunicação"
[3]NIETZSCHE, Friedrich, Genealogia da Moral.
[4] Ana Lucia Santana : http://www.infoescola.com/psicologia/narcisismo/