ADVERTÊNCIAS AOS MÉDICOS

Diante do progresso científico do mundo de hoje, é muito interessante examinar o nível das ciências há poucos séculos passados. Como em sala de universidade, há poucos dias passados, estudantes relataram suas impressões sobre o atual atendimento em emergências e consultórios médicos, chamou-me a atenção o que uma estudante descreveu. Levou sua filha de 11 anos, com dores abdominais profundas, a uma emergência de hospital conveniado com seu plano de saúde. A médica de plantão, sem se levantar e examinar a paciente, diagnosticou que eram gases, e receitou luftal. Em menos de cinco minutos realizou o atendimento e catou os miúdos trocados do plano de saúde. Como no dia seguinte a menina continuasse com dores, a mãe voltou à mesma emergência, e a mesma médica apenas recomendou que a mãe procurasse um pediatra para exames mais completos. Só que pediatras daquele plano de saúde somente teriam vaga dentro de 15 dias. Já nervosa, a mãe procurou emergências de outros hospitais que constavam como conveniados no último livrinho de seu plano de saúde. Qual não foi a surpresa quando chegou a cinco deles e todos eles não atendiam mais por aquele plano. E o plano nem sequer havia avisado os clientes destes cancelamentos. Depois desta aula, chegando em casa, lembrei-me que em minha estante havia um livro , publicado pela Universidade de Évora (Portugal) em 1703, que falava do atendimento médico. O livro tem o título Thesouro de Prudentes e foi publicado por Gaspar Cardoso de Sequeira. A segunda parte do livro faz três advertências aos médicos e cirurgiões. Estas advertências, por um lado, mostram a distância entre a medicina do século XVIII e a nossa, mas também nos lembram um aspecto humano da medicina, hoje esquecido por muitos médicos estressados das emergências, ou que atendem pacientes de planos de saúde, que cobram muito dos cidadãos, e pagam pouco aos médicos. Vejamos as advertências.

1. O médico ou cirurgião prudente, quando pela primeira vez visitar o enfermo, deve fazê-lo confessar-se e comungar, mesmo que ache a doença leve, pois desta maneira tira dois proveitos: o primeiro, se o doente morrer, o médico estará protegido, pois se dirá que o médico aconselhou o doente a se confessar, pois tinha percebido que a doença era mortal; o segundo é que, se o doente convalescer, o médico fica com maior fama, pois terá cumprido sua obrigação religiosa. Em doenças leves ou graves os médicos devem fazer os doentes se confessarem, para que não desconfiem de que sendo aconselhados a freqüentarem os sacramentos, isto seja indicação de que haverão de morrer.

2. Médicos e cirurgiões devem visitar todos os dias seus enfermos duas vezes, tomando seu pulso e se informando sobre as dores, se se alimentou, se evacuou, pois a verdadeira cura depende da situação do pulso, das informações e não das águas (remédios!), pois os pacientes não querem apenas receber “águas” dos médicos, mas que eles lhes falem sobre a doença, reparem em sua idade e quanto tempo devam permanecer na cama, etc.

3. O médico, ou cirurgião, que mandar sangrar alguém, convém muito que se ache presente à sangria, pois os sangradores, muitas vezes, não encontrando logo a veia, abrem até a veia da cabeça, fazendo com que o paciente corra risco de morrer. Além disto, o médico deve cuidar para que a sangria seja feita em tempos apropriados, de acordo com as fases da lua e situação das constelações.

É claro que hoje nos rimos das sangrias a que se submetia os doentes antigamente. Pois, retirando sangue de alguém já enfermo, com este sangue a menos ainda enfraquecia mais. Mas o que interessa nesta recomendação é a proximidade, o interesse do médico pelo paciente. O paciente não é apenas um número num prontuário. É alguém que precisa do cuidado, da atenção, da proximidade do médico. O que, muitas vezes é indispensável para uma recuperação mais rápida. Segundo os preocupados com a humanização da medicina, é indispensável que o doente seja recebido com respeito, carinho, atenção, proximidade pelos médicos e enfermeiros. Uma medicina, apenas com medicamentos químicos, tratamento frio e distante dos médicos é uma medicina condenada ao fracasso, além de ser desumana. Dali a necessidade de que os estudantes de medicina sejam levados a desenvolverem sensibilidade para com os pacientes, e que os planos de saúde sejam regulamentados de tal forma que não explorem seus clientes e paguem mal aos médicos. Só assim teremos uma medicina civilizada neste século vinte e um.

Inácio Strieder é professor de Filosofia- Recife - PE.