Mundo - Um triste cenário de contrastes sociais gritantes, onde milhares de vidas estão em jogo.

"Moçambique, 18 de janeiro de 2013

Por aqui, mais uma passagem de ano em projeto, longe dos familiares, dos antigos amigos... Vem aquela dor da saudade e o questionamento sobre os objetivos da vida. Mas, no final, a decisão é a de seguir em frente e continuar a luta pela garantia dos direitos humanos a todas as pessoas; mais especificamente, o acesso à saúde.

Passou o Natal, o ano novo e os centros continuaram como se nada estivesse acontecendo. Lotados de pacientes, as mesmas problemáticas. (...)

Há muitos planos que parecem simples de serem implementados, mas, na verdade, ainda falta muito para tudo isso acontecer. (...)

Em nossa rotina de trabalho existem ainda outros obstáculos, como, por exemplo, rupturas no fornecimento de medicamentos na farmácia e de reagentes no laboratório, ou seja, faltam medicamentos essenciais nas unidades sanitárias e algumas vezes chega a faltar tuberculostáticos e antirretrovirais. Faltam, também, exames muito importantes para o monitoramento dos pacientes, como a contagem de células CD4, que controlam a resposta imunológica contra infecções, e, às vezes, até exames muito básicos, como o hemograma.

Nosso papel como parceiro do Ministério da Saúde de Moçambique é reduzir a mortalidade por HIV por meio da melhoria dos serviços já existentes. Por isso, nós suprimos as rupturas com nosso estoque de emergência, até que o fluxo nacional seja re-estabelecido.

Ainda temos muito trabalho para 2013. Este será um ano de trabalho duro e muitos desafios. As metas são ambiciosas e queremos ao máximo atingi-las, pois o objetivo de todos é fazer com que os pacientes tenham acesso à testagem de HIV, tratamento adequado e consultas de qualidade, diminuindo cada vez mais o número de mortes no país."

Partes do Diário de Bordo de Kelly Cavalete, enfermeira em missão humanitária no Moçambique, pelo MSF (Médicos Sem Fronteiras). Kelly é uma das pessoas que me fazem ainda acreditar na humanidade. A "vida MSF" dela começou em 2007, e ela relata no diário de bordo de 18 de fevereiro de 2011 o seguinte:

"Eu iniciei minha missão (Em Moçambique) em agosto de 2010, cheguei em Maputo quando meu bebê completou 3 meses de vida. Foi um grande desafio voltar ao trabalho com o primeiro filho ainda tão novo e em uma cidade que eu até então não conhecia."

Isso me comove. Saber que tem uma mulher que acabou de se tornar mãe, abrindo mão de ter uma vida "confortável" e cuidar unica e exclusivamente do seu bebê, para cuidar de outras vidas, dedicar-se a uma missão num lugar desconhecido, movida pelo amor.

E o que me deixa triste nisso tudo, é saber que existem regiões ao redor do mundo em situações semelhantes ou piores, onde a miséria reina. Onde pessoas morrem por não terem acesso a um tratamento médico decente. Onde crianças já nascem com um destino trágico traçado: Marcadas por doenças como o HIV, sem nenhuma chance de escaparem da morte certa. E aquelas que nascem sem nenhuma doença, logo adquirem uma, pois elas vivem muito abaixo da linha da pobreza, sem acesso a saneamento básico, ou quaisquer outras coisas que impliquem no que se refere condições minímas para a vida.

E até mesmo quem quer ajudar, tem que enfrentar obstáculos como os que Kelly relata. Pessoas morrem por falta de medicamentos essenciais para o tratamento de doenças negligenciadas. Mas graças a nobreza de espírito de algumas pessoas que dedicam-se as missões humanitárias nas regiões mais pobres do planeta, vidas são salvas, todos os dias.

É triste encarar o fato de que o mundo é um cenário de contrastes sociais gritantes.

O Projeto MSF atua desde 2003, e já fez muito, mas a luta ativa contra as doenças negligenciadas que afetam 12% da população mundial, esta longe de ter um fim.

"Quanto progredimos? Pessoas continuam morrendo por causa de doenças arcaicas. Por que estamos nessa situação? Precisamos pensar na próxima etapa. Se temos esses problemas de saúde pública em escala global, precisamos de responsabilidade pública e responsabilidade governamental que estabeleça uma estrutura que possa coordenar as atividades que estão em andamento." - Dr. Unni Karunakara, presidente internacional de MSF.

Os médicos e enfermeiros que estão nas missões humanitárias ao redor do planeta, continuam de mãos atadas frente às deficiências de medicamentos disponíveis, sem outra saída, a não ser tratar as pessoas com medicamentos e procedimentos antigos, que acarretam um sofrimento terrível para os pacientes, que podem inclusive ficar surdos, depressivos e até mesmo psicóticos se submetidos a determinados tratamentos. Tanta tecnologia, tanto avanço científico, tanta riqueza de um lado, e do outro, tanta escassez para cada uma dessas coisas.

Fico feliz em saber que tem gente disposta a ajudar, e triste por saber que exista quem precise de tal ajuda.

"Não podemos nos manter em um sistema que resulta na morte de pessoas por todo o planeta, devido a causas que PODEMOS prevenir." - Dr. Unni Karunakara, presidente internacional de MSF.

Me revolta ver tanto dinheiro investido em coisas fúteis, e tanta gente morrendo por que não vão render lucro algum. Minha oração nessa noite, é que não somente governantes, mas todas as pessoas que tenham condições de oferecer algum tipo de ajuda sejam tocadas, que elas se comovam e se emocionem, assim como eu, que infelizmente nada posso fazer, a não ser orar pelas milhares de vidas que estão em jogo, enquanto boa parte do mundo brinca com o dinheiro que deveria socorre-las.