GESTÃO PÚBLICA NO SUS: AUTONOMIA E RESPONSABILIDADE

 

Por mais que se queira encontrar semelhanças, no serviço público a lógica equivocada privatista não funciona. Ou talvez funcione em pequena parte. Se o setor público for da saúde muito menos essa combinação é encontrada.

O foco principal de uma empresa privada de saúde é o lucro e não poderia deixar de ser diferente. O lucro de uma empresa pública de saúde é da mesma forma, o lucro. Só que um lucro social em cumprimento aos preceitos básicos da função de estado que é cuidar do bem estar social da população, aqui incluídos por excelência educação e saúde. No serviço privado há um dono ou donos, regidos pela lógica do mercado no geral e no particular pelas leis vigentes do país, do estado e do município. Nesse mesmo diapasão, os sindicatos e órgãos de classe atuam no sentido de proteção aos servidores e na manutenção de preceitos éticos e normatizadores de atos  profissionais dos médicos e demais profissionais e trabalhadores da saúde.

Uma empresa privada de saúde (como todas as outras) concede aumento de salários em função de pisos estabelecidos com os sindicatos ou de acordo com a vontade dos patrões. Geralmente não dispõem de planos de carreira ou os institui meio que proforma, com algumas exceções para a categoria médica que, não raro é bem articulada por seu sindicato e associações. Na empresa pública tipo HOSPITAL o aumento de salários está diretamente subordinado às receitas e à lei de responsabilidade fiscal, bem como ao relacionamento da autoridade gestora maior e sua inserção direta com o governo. Entre gestor, governo e a população estão as LEIS. Essa prerrogativa não se aplica apenas aos salários, mas às ações gerenciais como um todo.

Um princípio que o setor privado executa muito bem é o da autonomia gerencial. O setor público claudica neste sentido no momento em que sempre recorre aos níveis hierárquicos maiores quando qualquer crise se instala. Dá-nos a impressão de que a expertise gerencial local não funciona como deve. Talvez pelas variadas formas em que alguns gestores de unidades de saúde são postos no comando – muitas vezes bem intencionados, mas noutras despreparados para a função gerencial na forma moderna, proativa nos enfrentamentos. Não se duvida que romper com o paradigma de que o serviço público é lento, maçante, burocratizado seja fácil. Contudo, há no Brasil exemplos positivos disto. Em alguns estados e municípios a rede SUS – hospitais, centros de saúde e unidades de Programas de Saúde da Família com dotações orçamentárias idênticas, demandas e clientelas semelhantes, apresentam resultados administrativos diferentes entre si. Dito diferente: com o mesmo dinheiro uma unidade semelhante alcança resultados positivos enquanto outras recorrem sempre ao nível central.

A recorrência ao nível central até pode acontecer pelo princípio natural sistêmico de “REDE”. Não tratamos aqui da independência total de uma unidade de saúde, mas de certa autonomia interna que se estrutura num modelo gerencial participativo em que se aperfeiçoa tudo com criatividade e com o aval do nível central. Esse “AVAL” se consolida no rompimento da relação “maternal” em que tudo e qualquer coisa são levadas ao crivo do gestor maior, no caso, os secretários estaduais ou municipais de saúde. Nesse contexto, os gestores tem que conhecer alguns preceitos básicos do setor público, posto que grande maioria deles compõe-se de um conjunto de decretos, leis e portarias colocados à disposição da rede para aviar processos gerenciais. Um gestor, por exemplo, não pode ignorar a lei de greve; da mesma forma não pode deixar de conhecer a gravidade de um movimento interno envolvendo servidores que, por exemplo, depredam o patrimônio público. Afinal, os servidores têm fé de ofício e o gestor investido em cargo comissionado  também. Uma ocorrência de absenteísmo ou de abono de falta de funcionários ao serviço, exceto em casos previstos em lei, não pode ser levada outras instancias hierárquicas. Nesses casos e assemelhados a gestão local tem que se fazer agir e tudo contribuir até para criar, se forem ocaso, um modelo específico de ação, observando-se as peculiaridades da unidade. Estar-se-ia, desta forma, pondo em prática o princípio da equidade em que os diferentes têm que ser tratados diferenciadamente. Sendo assim, apenas um comunicado oficial ao nível central acerca de um novo modelo de ação poderá ser procedido.

Fica claro, pois, que o setor público continua excelência em seus princípios e dificilmente se pode fazer comparativos com o privado. Certamente que há elementos comuns aos dois, como PESSOAS, salários, motivações, etc. Contudo, quando se estabelecem os objetivos finais das atividades de saúde, o foco muda. Isto porque o centro da ação pública é o lucro social e o bem-estar da população, enquanto no setor privado pode até se buscar o bem estar de uma população definida (conveniada), mas depois do lucro financeiro estabelecido, principalmente no atual modelo neoliberal e capitalista em que vivemos.

Portanto, a velha forma de se fazer gestão pública tem que ser revista. Não podemos continuar com uma rede complexa de saúde como o SUS em que boa parte dos gestores repassa (comodamente) todas as responsabilidades para o nível central. Nesse mesmo foco, é comuníssimo devolver servidores ao RH com um simples memorando que sempre termina de forma clássica: “porque não se adaptou às nossas condições de trabalho”...  Isto pode até acontecer, mas nem sempre isto é verdade. O fato é que ninguém quer ter trabalho com o outro. Devolver um servidor tido como “problemático” é optar pela comodidade ou incompetência gerencial. Na pior das hipóteses é desconhecer que o SUS é uma rede e que quando se devolve um servidor ao nível central se está apenas repassando um “problema”. Na maioria dos casos se trata de servidores com “ficha limpa” e que, por algum motivo não agradou a algum gestor de plantão. Se o servidor estiver doente, há legislação que acoberta. SE o servidor cometer ilícito, há legislação que protege a gestão após amplo direito de defesa do funcionário. Mas é mais cômodo repassar (tudo faz crer), como geralmente se faz na vida cotidiana em que a gente, não raro, projeta pro outro nossa culpa ou nossa incompetência.

Finalizamos com o entendimento de que o nível central tem seu papel na garantia do funcionamento do sistema, principalmente no cumprimento do modelo de gestão em consonância com a consolidação do SUS. Aos hospitais e demais unidades competirá o gerenciamento das ações finalísticas de saúde e, salvo exceções, tudo fazer para que o chamado “miudinho” gerencial não fique tomando forma no âmbito da gestão maior das secretarias estadual e municipal de saúde.