ÉTICA MÉDICA: NOVO CÓDIGO.
Três coisas que no novo código de ética médico não modificam:
1 – Caráter dos maus médicos;
2 – Politicagens na área pública de saúde;
3 – Mercantilização da medicina;
Para os médicos comprometidos com sua consciência, dotados de vocação e sentimento de respeito ao próximo, o novo código é apenas uma peça mais aprimorada e sintonizada com os novos tempos. Para uma boa parte desses profissionais interessados tão-somente, em ganhar dinheiro, o código é apenas um detalhe que será sempre avocado em função de direitos, dificilmente dos seus deveres.
Para uma melhor avaliação deantológico, carecemos compreender as expectativas existentes em função do médico do setor PÚBLICO e do setor PRIVADO.
Exemplo: no geral, podemos assegurar que um mesmo médico que disponha de um vínculo público e outro privado tem atitudes diferenciadas no desempenho de cada um dos papéis. No vínculo público, cuja clientela prioritária é a de baixa renda e pelo SUS, o atendimento tende a ser superficial. A clínica médica fica muito a desejar, restringindo-se a ver a doença (não o doente) e passar o remédio que se imagina certo, esquecendo da "escuta" que é fundamental no processo. Conversam-se pouco com o paciente e dificilmente os quinze minutos preconizados pelo Ministério da Saúde para uma consulta, são cumpridos. Quando um médico não comparece ao trabalho, todo o tratamento iniciado volta a estaca zero. O paciente de primeira vez volta pra casa sem o atendimento e sem dinheiro para procurar um serviço privado, contrariando o princípio constitucional da "saúde como um direito de todos e dever do estado". Essa ausência do médico, dificilmente implica em desconto de salário, posto que o gerenciamento das unidades de saúde geralmente é feito por médicos que, dificilmente, informam a falta não justificada do colega. Quando acontece de ser colocada a citada falta, logo eles encontram uma forma de apresentar um atestado médico assinado por um colega e acatado pela respectiva junta médica. Esta, igualmente dirigida e controlada por médicos sob a proteção de uma legislação fraca e da SOBERANIA PERICIAL. Por outro lado, os nossos serviços públicos em quase todo o país, encontram com seus estatutos anacrônicos, “remendados” à base de "decreto", portaria, etc. Isto corrobora a facilidade que os maus profissionais médicos e não médicos encontram para se locupletar dos espaços públicos no sentido de manter uma "boquinha" que lhes permitirá um salário no final do mês e uma aposentadoria no futuro. O novo código de ética do médico, neste setor público, dificilmente irá provocar mudança de comportamentos capazes de fazer alguma diferença positiva na atenção prestada à saúde da população. O fato de recomendar que na falta do profissional médico a diretoria da unidade providencie substituição é como "passar manteiga na venta do gato". O ´médico não vai trabalhar, entra com atestado; a unidade diz que não tinha outro profissional e repassa para a instância superior, geralmente o Secretário de Saúde; a população, por sua vez, não tem organização social forte para acionar os Conselhos de Saúde e obter resposta, até que a questão se perca na inércia reguladora da maioria das nossas unidades de saúde.
A própria Universidade não tem estimulado o contrário, posto que seus currículos tem foco mais na medicina curativa do que preventiva – pilares sobre os quais a iniciativa privada se sustenta. Até onde sabemos as próprias escolas públicas estimulam pouco a formação médica voltada para a responsabilidade cidadã. A contradição está no fato de que a maioria delas é pública e, naturalmente, mantidas integralmente pelo poder público. Pela população, se quisermos ser mais diretos. Talvez fosse salutar uma discussão nacional sobre a universidade pública só ser gratuita pra quem realmente não tiver condições financeiras. Certamente isto irá ferir interesses daqueles que vivem tirando proveito do financiamento público em nome se ser “privados”.
Por outro lado, no setor privado, esse mesmo médico, certamente presta uma atenção mais cuidadosa aos seus pacientes. A natureza particular do vínculo não necessita de estatuto de servidor como no setor público. A facilidade com que um profissional falta a um plantão no serviço público não é a mesma na rede privada. Além de ter desconto no salário, um médico poderá ser demitido do cargo sem maiores conseqüências, pois o regime celetista tem regras claras para isto. O sindicato fica com menos condições de se meter nessa relação, diferente do serviço público em que paralisam as atividades e o “povo” que se dane. Os conselhos fazem sua parte, mas avançam pouco nas questões éticas em função, quase sempre, da natureza subjetiva delas.
Ainda considerando a rede privada, inserem-se mais uma variável: o atendimento diferenciado prestado na clínica ou no consultório do mesmo médico que dispõe também, de um vínculo público. Dificilmente o profissional que é proprietário de uma clínica ou consultório, deixa de prestar uma boa atenção aos pacientes. Ele saberá com mais clareza quanto custará a manutenção do seu negócio e, claro, as questões éticas serão vistas com mais cuidados. Se um colega médico não “rezar” na cartilha da empresa, certamente será demitido. O diferencial: no serviço público "não é meu nem é teu"; no privado "é meu e não é casa de Irene". Portanto...
Vale o registro: a grande maioria dos médicos trabalha com responsabilidade independente do vínculo ser público ou privado. Também vale lembrar que as questões éticas devem nortear todas as profissões, principalmente a dos médicos em função das particularidades inerentes a ela. Um jornalista quando transgride a ética profissional é diferente de um médico. Diante dele, o paciente se “entrega” frágil, carente, com dor; vulnerável, um descuido ético nessa relação pode causar sérios transtornos.
Contudo, não se pode ignorar que o caráter das pessoas tem forte interferência na dimensão ética das atitudes humanas. Isto independe de profissão, pois se fosse diferente, as Universidades cuidavam disto com mais rigor na formação. Essa questão talvez possa ser focada na ênfase das diversas formas de assédio: o moral e o sexual. Uma ação de pedofilia praticada por um padre desperta maior rigor no julgamento ético, em função das expectativas do seu papel de religioso. O código canônico não existe (como todos) para impedir que as vontades e patologias e outras transgressões deixem de acontecer. Eles servem, fundamentalmente, para despertar nas pessoas o sentimento do costume secular estabelecido, baseado na moral social maior. Em função disto, algum tipo de “freio” deve se estabelecer, talvez impedindo que atitudes aéticas aconteçam mais amiúde. Com isto, os códigos de ética, estabelecem as gradações de sanções considerando a gravidade das transgressões aos costumes. É mais fácil um padre perder o direito de exercer o ofício, do que um médico, diante de um caso de assédio sexual. Da mesma forma que um médico dificilmente se livra de uma cassação diante de um grave erro médico comprovado. A complexidade maior talvez resida no julgamento, pelos pares, da natureza dolosa do ato. A corporação médica é forte e, dependendo da repercussão da atitude aética, talvez uma repreensão seja a pena mais utilizada pelos conselhos. Também dependerá muito (infelizmente) do status da vitima, principalmente se for preto, pobre e morar longe.
Independente da profissão, um CÓDIGO DE ÉTICA é fundamental. Quanto mais a profissão tiver relação com as pessoas em seus mais diversos anseios, mais urgente que ela se estabeleça de forma objetiva, moderna e rigorosa nos seus efeitos. Há maus médicos como há maus professores, psicólogos, sociólogos, etc. A natureza humana é multifária e não se pode pensar nela senão no viés das possibilidades. Saber que um código ético existe e funciona é muito bom. O pior dos códigos é o que não existe. A certeza da IMPUNIDADE é a maior estimuladora da violência em todos os sentidos. A falta de ética nas relações certamente se consubstancia numa violência, dependendo da natureza do usuário, da profissão e do profissional.
Esperamos que o novo código médico sirva, também, para levar a categoria a um novo momento de reflexão. A medicina não é uma profissão que combine com o capitalismo, com o egoísmo, com a indiferença. Certamente que médico não é deus, como se pensou num passado distante. Médico dever ter salário digno, respeito, condições decentes de trabalho. Mas ele não pode sendo um só, ser diferente na sua conduta diante de um paciente da rede SUS, privada, ou na sua clínica particular. Medicina é um sacerdócio no melhor sentido da palavra e como tal não pode se submeter aos modismos de uma sociedade que está perdendo referenciais de ética. Os sindicatos e conselhos de medicina devem investir em suas atribuições, mas igualmente zelar pela natureza dos profissionais médicos dentro daquilo que se espera que eles sejam nos cuidados da dor do corpo e da alma.
Finalizamos na ênfase do serviço público. Este é o que mais carece ser cuidado pelos poderes públicos que desde há muito, “jogam pra platéia”; criam sistemas, fluxos, novos nomes para antigos problemas, mas o principal deixam de fazer: OBJETIVIDADE no gerenciamento da saúde! Deixarem de proselitismo, de muita teoria. Investir numa nova ordem que leve saúde a população carente, acabando com as “negociatas” de cargos na saúde. Valorizando os servidores públicos de carreira, tornando os Cargos Comissionados específicos para servidores, exceto o alto gerenciamento. Modificar os estatutos dos servidores no sentido de permitir aos gestores maior autonomia para demitir servidores após competente inquérito administrativo; deixar de lotear a saúde com os partidos políticos e colocar gestores técnicos de comprovado comprometimento com a população. Isto é ético. Isto levaria os demais códigos éticos das diversas profissões da saúde a se robustecer, diferente do que ocorre atualmente. Ética é bom e todos gostam, basta que o exemplo venha de cima.
O novo código de ética médica é bem-vindo. Contudo, ele por si só não fará efeito desejado se os sindicatos e conselhos de medicina não se dispuserem a colocá-lo na prática. Se os gestores, em sua maioria médicos, não tiverem medo de aplicá-lo aos seus colegas; se os Conselhos Municipais de Saúde não forem mais vigilantes quanto a seus efeitos e aplicações. Enfim, a população fazendo seu papel de denunciar aos setores competentes, bem como enaltecer aqueles que zelam pela boa conduta no exercício profissional.